Capítulo 69

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Sentada perto da janela, de roupão e com a garrafa de vinho balançando perigosamente nas mãos, vejo a noite cair. Agora sem neve, mas chove. Muito. As árvores entregam a força do vento e parecem a ponto de se desprenderem do chão rumo ao infinito. Impossível sair em um clima como esse.

Emma atendeu a uma ligação e sumiu de vista, Erica está no telefone com Conrado e os meninos e o meu telefone nunca esteve tão silencioso. Sem ligações, sem mensagens. Isso é raro. Foram muitos os acontecimentos das últimas horas e, infelizmente, acabaram-se as pessoas para quem eu poderia contá-los, pelo menos agora, mas ainda estou com aquela vontadinha de dizer algo, qualquer coisa, para os outros. É uma sensação estranha, na verdade, como se, para quanto mais pessoas eu contar, mais toda essa merda sairá logo do meu sistema e eu posso seguir com a vida – o que não faz nenhum sentido. Não há registros, na história da humanidade, de nenhum sofrimento que tenha se esvaído depois que um grande número de pessoas ficou sabendo sobre ele. Algo me diz que, embora o instinto seja abrir logo a boca, eu não tenho o que é preciso para ser a primeira humana a viver essa experiência transcendental da revelação por osmose.

Aliás, tenho certeza que se dedicar mais um pouquinho de tempo ao assunto, vou diminuir consideravelmente a lista de pessoas a quem dar a notícia do novo relacionamento do meu quase ex-marido, somada à proposta de me mudar de país. Essa última, sozinha, seria uma grande notícia, um evento; mas, se colocarmos as duas em um mesmo contexto, pode parecer que estou achando, na segunda, uma válvula de escape para a primeira. Uma fuga.

Ainda não estou certa de que não seja esse o caso, embora, para mim, os contextos estejam absolutamente separados.

Outro motivo que me causa desânimo em contar sobre Rodrigo para meus amigos e familiares é Larissa. Por algum motivo ridículo, a primeira pessoa que xingam quando uma coisa dessas acontece é a mulher – a "outra" –, e eu jamais colocaria essa responsabilidade nos ombros de Larissa, e não apenas porque gostei realmente dela e queria muito de ser sua amiga, não fosse esse mínimo conflito de interesses, mas porque ela não tinha assumido nenhum compromisso comigo. Desde que a conheci, o máximo que fizemos foi combinar nossa presença no congresso e jantar misto quente em um restaurante chique (tá, essa última é culpa minha). Ela não me jurou amor eterno, fidelidade ou que jamais entraria no caminho da minha festa de casamento. O que aconteceu entre os dois, e como isso me afeta, é responsabilidade de Rodrigo, e vai me magoar ter pessoas de quem gosto profundamente relativizando a situação e achando um jeito de colocar a culpa nela. Essas pessoas são geralmente as primeiras que acham que têm algo a falar sobre um assunto que não lhes diz respeito.

Talvez eu conte essa parte só para minha mãe, em segredo, pedindo pelo amor que ela tem ao deus dela que não deixe escapar para os meus irmãos. E Lucas. Lucas não relativizará nada, com certeza. Ele não é do tipo que fala "eu te avisei" e não faria nenhuma comparação entre Larissa e eu, tentando adivinhar o que ela tem que eu não tenho. Consigo imaginar a cena toda: chego no bar, conto para ele que Rodrigo está namorando, ele diz algo ácido, do tipo "contra quem?" e, quando respondo "contra Larissa", aquela ricaça com quem jantei um misto quente na França, ele fala algo na ordem de "coitada, que tenha boa sorte" e me serve uma limonada rosa batizada com vodca. Acho que, para o pessoal do bar, é ok contar. Chris xingaria o homem até sua última geração, Igor não estaria atento à conversa para opinar e Don Giro talvez ficasse decepcionado com Rodrigo, embora não pudesse jurar de pés juntos que por essa ele não esperava.

Na minha fantasia já estou com uma cerveja tamanho família em mãos e o assunto morreu cinco minutos atrás, junto com a limonada rosa batizada com vodca, como em um sonho lindo onde as pessoas querem seu bem, e não ficar te chateando com perguntas... e é nesse momento que Emma irrompe no quarto com Adrian a tiracolo, afastando minha imaginação de um improvável futuro.

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