Prólogo: Alice

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Se você tivesse uma família como a minha, duvido que não sentiria o amargor do constrangimento de passar dos 30 e estar solteira. É claro que sentiria; é para isso que – pelo menos os meus – familiares servem: para perguntar, em toda ocasião pertinente, que para você é nunca e para eles é sempre, onde está sua alma gêmea.

E sabe o que é o pior? Eu sabia onde estava a minha alma gêmea. Quanto calçava, que número vestia, a cor do cabelo e o que fazia da vida. Se até outro dia você tivesse me feito essa pergunta, o que não faria, exceto se fosse um familiar inconveniente, eu teria a resposta na pontinha da língua. Juro! Não por Deus, e logo te digo o porquê, mas juro juradinho.

Só que hoje, não.

Hoje, eu sou o clichê.

E quando me perguntarem nessa festa de bodas de trocentos anos de casados dos meus avós "e aí, Alice, e o namorado? Não vai casar não?", completando a sentença com o infame "olha seus avós, provando que o amor pode dar certo pra todo mundo", eu vou ter que falar a verdade. E ela é terrível. Para mim, no caso. A história toda é um show de horrores – e, se você tiver um tempo para ouvir, deixa eu começar do começo.

Eu sou a Alice, da frase dos namoradinhos. Já vou pedindo desculpas por me apresentar desse jeito tão... clichê, mesmo, na falta de palavra melhor, mas essa é a perfeita descrição da minha realidade. 

Já passei por todas as fases de uma boa vida; no momento, estou no auge: da idade, da carreira... se tudo tivesse dado certo, do amor, também. Só que as coisas não dão certo, criança. Vou arrancar o curativo de uma vez: quando você estiver no auge, cuidado. Não existe um lugar mais alto que o lugar mais alto – e quanto mais alto, maior o tombo. Aí mora a grande ironia desse livro inteiro: sou professora de física e nunca me dei conta de que até mesmo o amor responde às leis da gravidade. Como Einstein e Newton mostraram, tudo se resume à matemática. E, quando um não quer, dois não se casam.

Sou a pessoa mais desajeitada no quesito "romance" que você vai conhecer, para início de conversa, e minha experiência nesse departamento é ínfima – a menos que estejamos contando relacionamentos e amores platônicos. Aí não tem pra ninguém. Ainda muito nova me tornei especialista em morrer de paixão por alguém diferente a cada semana, prevendo o futuro com filhos e animais de estimação em uma casa linda. Escrevia o sobrenome do eleito da vez depois do meu, só para ver se combinaria. Deixei de me apaixonar por alguns porque não teria um nome de casada sonoro. 

E, acredite, essa é a parte menos absurda.

Me apaixonei, namorei e terminei com vários garotos sem que eles soubessem de nada disso. Boa parte dos eventos cataclísmicos da minha vida amorosa ocorreu apenas dentro da minha cabeça. Depois de discussões épicas, em que eu sempre estava certa, sempre, era hora de sentar e esperar pelo próximo da fila, e ele nunca demorava muito. Bastava pouco para que eu caísse louca de amores por alguém. Queria agradar, faria o maior esforço do mundo para deixar uma pessoa feliz comigo, pelo fato de me conhecer e, quem sabe, gostar de mim também. Hoje vejo que, naquela Alice, era difícil encontrar amor próprio, e isso fazia de mim o elo fraco de qualquer corrente – mas, para minha sorte, ninguém nunca (me) notou.

Quem olhasse de fora me veria como indiferente, independente e alheia a todo o drama do coração adolescente. Foi mais ou menos no meio do ensino médio que esses adjetivos começaram a se encaixar na minha personalidade, como um quebra-cabeça. Cansada das desilusões e das aventuras que só existiram para mim, declarei a mim mesma ter mais o que fazer, embora não tivesse, não, e me tornei, em partes, indiferente, independente e alheia a todo o drama do coração adolescente.

Tirei proveito de algo em que sempre fui muito boa – estudar, entender e compartilhar meu entendimento – e foquei nisso. Participei de olimpíadas de matemática, fui monitora do laboratório de química, era convidada para gerenciar grupos de estudo para as provas finais, e olha que, se eu não quisesse, eu nem precisava aparecer para fazê-las. No meio do ano eu já estava aprovada em tudo. A reputação de "prodígio" me deu destaque na sala dos professores, embora não fizesse a menor diferença no pátio da escola. Se fizer uma visita a todos os meus colegas de sala daquela época e perguntar a eles "quem é Alice Drummond?", a resposta vai ser um sonoro "não sei". A menos que perguntasse para os realmente idiotas, que provavelmente te responderiam com uma pergunta: 

Teoria do AmorOnde histórias criam vida. Descubra agora