Capítulo 75

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DIA 10

Conheço bem a estrada que liga o aeroporto à cidade.

Quando era pequena, meu pai me levava para ver os aviões partindo e pousando, como se fosse um evento muito importante – e, naquela época, talvez fosse. A viagem demorava umas três horas na minha cabeça de criança. Na realidade, o percurso durava apenas uma hora.

Ao longo dos anos, as coisas foram mudando. A estrada que liga o aeroporto à cidade, por exemplo, é nova e bem mais transitável, em comparação ao que costumava ser quando eu tinha nove anos. A rodovia agora é larga e bem sinalizada, com opções distintas de limite de velocidade. Quem desembarca no aeroporto internacional de Belo Horizonte, que não fica exatamente em Belo Horizonte, chega à cidade em vinte minutos, meia hora, com trânsito bom – e sei disso muito bem, já que me acostumei a levar e buscar Rodrigo em suas inúmeras viagens pelo país e pelo mundo, batendo recorde de tempo de percurso quando precisava me deslocar de madrugada, com pouco ou nenhum trânsito. Decorei onde estão todos os radares de velocidade e, de maneira bem imprudente, às vezes deixo meu carrinho velho, mas eficiente, voar no tapete da pista.

Mas, hoje, me sinto um pouco diferente nessa estrada. É como se a quantidade de quilômetros separando Paris do aeroporto fosse bem menor do que a que separa o aeroporto do Irlandês.

— Moça, dá pra acelerar um pouquinho? – peço à motorista, que dirige dentro dos limites de velocidade enquanto escuta uma música gospel no rádio.

Não posso culpá-la: a taxista até perguntou se eu gostaria de ouvir outra estação, mas só agora percebo que o carro está sintonizado em uma rádio evangélica.

A motorista também deve ter decorado a localização dos radares, porque acelera imediatamente, respondendo à solicitação. Sorri, olhando pelo retrovisor.

— A senhora é a primeira pessoa que pede para acelerar voltando pra casa, e não indo ao aeroporto.

Quase a corrijo pelo "senhora", mas não acho que faz diferença.

— Acredite: na ida eu gostaria de ter perdido o voo.

A taxista se surpreende e ensaia começar uma conversa, curiosa, mas desiste de fazer perguntas complexas ao me captar pelo retrovisor e ter entendido minha urgência de voltar, mas não de ir, para onde quer que eu tenha ido. Algumas coisas são melhor compreendidas quando não ditas. Mas, daqui a pouco, vou precisar verbalizar para ser entendida. Decido focar no que dizer.

— Tem alguém importante esperando? – a taxista arrisca, com um sorriso.

— Espero que sim – respondo, com um sorriso tímido e bastante nervoso. Meu estômago gira em piruetas ao se dar conta, pela enésima vez, da razão de estar dentro do táxi.

A motorista muda espontaneamente a estação do rádio e agora escutamos uma estação de músicas românticas. A intenção foi boa; ela deve achar que me sentiria mais à vontade ouvindo canções de amor, mas minha resposta ao estímulo externo é outra: sinto uma bigorna cair em cima de mim, como nos desenhos animados, e quero pedir à moça que desacelere. Talvez até dê meia-volta. Mas é melhor em frente, afinal. Qualquer alternativa dará ainda mais trabalho.

— O trânsito está bom para um sábado. Já, já a gente chega –anuncia, simpática, e dou um longo suspiro.

Só consigo pensar que a estação de música gospel me assusta bem menos do que as canções de Colbie Caillat.

Teoria do AmorOnde histórias criam vida. Descubra agora