Capítulo 73

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Piso firme enquanto a fila avança e chega meu momento de entrar no avião, menos apreensiva do que antes, mas ainda tento ser cautelosa. Parece que a tripulação inteira está ali, na porta, só esperando para me pegar na mentira. Uma das aeromoças diz "boa noite" com um sorriso e correspondo, de cabeça baixa, segurando o ar sem motivo aparente. Assim que dou as costas para a equipe e levanto a cabeça para me orientar pela aeronave, o esperado acontece: ouço meu nome.

Alice? Alice Drummond?

É uma voz familiar. Quando me viro, confusa e resignada, vejo o inesquecível Felipe Quintana, meu professor de aerodinâmica na faculdade e, aparentemente, comandante desse voo.

— Professor! Que saudade! – digo, esquecendo os protocolos e lhe dando um abraço. Ele também esquece, porque me abraça de volta.

— Quanto tempo! Que coincidência! Comandante – diz, chamando uma mulher que sai da cabine –, venha ver a aluna mais brilhante que já tive! E não só da turma dela; de todas as turmas da universidade.

A comandante aperta minha mão, com alegria.

— Esse é um exagero de um professor muito querido – digo. — Não ligue para o que ele diz.

Me dou conta de que estou atrapalhando o fluxo de entrada no avião, parada no meio do caminho, e faço menção de ir me sentar. Ao se despedir, o professor Quintana me pergunta:

— Ainda tem medo de voar, Alice?

Ele se lembra – e eu fico envergonhada.

— É... – Meneio a cabeça em confusão. — Digamos que sim. Só um pouquinho. Talvez.

— Uma física com medo de voar! Acredita nisso, comandante? – ele diz, divertindo-se, e a mulher ao lado dele sorri para mim.

— Fique tranquila, Alice. Prometo que, em algumas horas, você estará em casa, sã e salva.

Pela primeira vez no dia, me permito relaxar. Agradeço, dou um sorriso, respiro fundo e sigo para minha poltrona, no fim do avião, no assento do meio. Me sinto tão aliviada de estar aqui que nem ligo para o desconforto de viajar na "cozinha" – e acabo até tirando um cochilo enquanto as outras pessoas ocupam seus lugares na imensa lata voadora.

Desperto ao ouvir uma mensagem no sistema de som dita em inglês e francês. Consigo entender perfeitamente o que diz.

"Senhorita Alice Drummond, por favor, reporte-se a um de nossos comissários. Atenção, senhorita Alice Drummond, por gentileza, reporte-se a um de nossos comissários".

Meus parceiros de viagem já estão sentados ao redor enquanto digo, meio sem jeito, "eu sou Alice Drummond". O rapaz do meu lado aponta para a campainha acima da gente, carrancudo, mostrando que não liga para quem eu sou e que não é para ele que tenho que revelar minha identidade.

Me inclino para a janela e percebo que estamos no aeroporto. Ainda sem entender o que está acontecendo, aperto a campainha e, quando o comissário chega, não consigo saber se está aqui para me prender ou só para perguntar alguma coisa de física.

O que seria impossível, porque ele não sabe que eu sei.

— Oi, eu sou Alice Drummond – digo.

— Ah, oui. A senhorita tem mala de mão?

— Sim, está aqui em cima.

— Poderia pegá-la e me acompanhar, por favor?

— Desculpa, eu me sentei no lugar errado?

Ele não responde à pergunta, apenas repete o pedido para que o acompanhe.

Ah, não, foi por tão pouco! – penso, certa de que eles finalmente descobriram que sou uma farsante.

Já vi vídeos do que acontece quando alguém precisa ser retirado da aeronave e se recusa. Pessoas são arrastadas pelas pernas ou puxadas pelos cabelos. Tirando meu sapato chique, o resto da minha roupa não está adequada nem para limpar o chão da aeronave, quanto menos para ir parar na internet. Me ocorre o pensamento mais lógico: eles descobriram que meu pai não morreu hoje, nem esse ano, nem ano passado. O professor Quintana sabe, já que foi ao velório. Ouço Ana Maria falando "eu avisei que mentira tem perna curta" enquanto se recusa a pagar minha fiança na delegacia aeroportuária que nem sei se existe.

— Eu troquei a passagem direitinho, não foi? – pergunto ao comissário, que não diz absolutamente nada em resposta, enquanto hesito em pegar minha mala de mão. — Eu conheço o piloto. Por favor, me deixa ficar aqui.

— Desculpe-me, senhorita, mas a senhorita precisa me acompanhar. Por gentileza.

As pessoas ao redor estão me olhando e posso adivinhar que estão pensando o que eu mesma estou pensando: se for expulsa da aeronave, todos vão se atrasar. Então, quanto antes sair, melhor para todo mundo. Derrotada, me entrego. Pego a mala de mão e desfilo pelo avião lotado enquanto a comandante avisa, pelo sistema de som, que o embarque está finalizado. As pessoas estão quietas em seus assentos, esperando a permissão para decolar, enquanto faço o longo caminho contrário ao fluxo. O comissário passa comigo por toda a classe econômica e pela executiva, sem dizer palavra, apenas escoltando a criminosa para fora da aeronave. Só consigo pensar no que fazer para recuperar a passagem; afinal, ficarei sem essa e sem a original, que foi cancelada e já deve ter sido revendida. Assim que chegar na porta da cabine eu tento falar com o professor, decido, nem que eu precise espernear. Não vai ter jeito. Eu só preciso ficar a alguns passos da porta da cabine, o suficiente para que ele me ouça gritando.

Mas não chego tão longe.

Quando alcançamos a área da primeira classe, único setor do avião que parece estar às moscas, o comissário fecha a cortina atrás de nós e me leva a uma cabine individual. Imagino se aquela é a "prisão" do avião, mas percebo de imediato que estou viajando na maionese. Isso é um quarto, isso sim.

O comissário sorri para mim quando diz:

— Cortesia do comandante Quintana para a senhorita.

Ele me entrega um cardápio repleto de coisas boas, bebidas diferentes e pratos de verdade, daqueles que a gente pede em restaurante, não em bandeja com talheres de plástico. Uma comissária chega, me dá oi e me entrega uma taça de champanhe.

E agora eu posso tomar champanhe. Dr. Taylor não está por aqui para me sabatinar.

Ou está?

— Assim que decolarmos eu volto para anotar seus pedidos – o homem que me trouxe até aqui diz, muito simpático e cortês. — Ah, mais um recado do comandante: aprecie o voo, senhorita Drummond.

Exatamente o que ele me disse anos atrás.

Aprecie o voo.

Aprecie o privilégio.

A vida não é justa. Às vezes, ela coloca na primeira classe uma pessoa que usou uma tragédia pessoal como desculpa para embarcar mais cedo. Mas, por ora, vou entender esse contexto como uma compensação, como a vida tentando se redimir por tudo o que me ocorreu nos últimos anos. Às vezes a vida é injusta, mas, às vezes, coisas boas acontecem com pessoas boas, e pronto. O excesso de interpretação pode não ser uma boa ideia – mesmo porque, se for pensar por esse lado, ainda há uma má sorte imensa vindo na minha direção, já que tantas coisas boas estão acontecendo, até quando eu ajo mal.

Não é achismo; é estatística. Lembra?

O sistema de som nos avisa que a decolagem está autorizada e, em poucos segundos, a uma velocidade assustadora, saímos do chão. As luzes da cidade vão ficando cada vez menores enquanto a lata voadora toma o breu do céu de assalto. Encosto um pé no outro e, com movimentos certeiros, consigo tirar os sapatos enquanto finalizo minha taça de champanhe.

Hemingway está certo: Paris é uma festa. Mas, enquanto a escuridão toma a noite no hemisfério norte, é Dorothy de Baum quem está nos meus pensamentos. O mundo é um lindo cenário de aventuras, mas não há lugar como nosso lar.

Não mesmo.

Mal posso esperar para chegar ao meu.

Teoria do AmorOnde histórias criam vida. Descubra agora