Capítulo 35

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E o medo de abrir a mensagem e descobrir o que que Lucas respondeu como "impossível" foi sobre algo absolutamente inadequado que eu disse? Sério: quando eu não lembro do que fiz, eu realmente não lembro do que fiz, e não faço ideia do que mandei para ele. Emma me incentivou a flertar com ele assim que chegamos em Paris. Será que levei essa ideia a cabo e não me lembro? "Impossível" é uma boa resposta para qualquer tentativa da minha parte. Onde eu estava com a cabeça?!

Não acredito.

Não acredito que fiz isso.

Envergonhada por antecipação, enfio minha cabeça no travesseiro. Nunca mais volto para o Brasil. Bom, talvez não volte para Belo Horizonte. Se bem que posso mudar de casa, sair de perto do Bar Irlandês e nunca mais cruzar com Lucas.

Isso também seria impossível, óbvio, porque Belo Horizonte é Belo Horizonte, a cidade onde todo mundo se cruza o tempo todo.

Não tem jeito. Cedo ou tarde vou ter que abrir o celular e ver o que eu disse, a menos que delete o aplicativo, mas isso não apaga o mico que levou até a mensagem "Impossível". Droga de leis da física que não permitem a viagem no tempo. De todas as coisas que existem na física, essa é a única da qual eu não gosto e não concordo. Se eu pudesse viajar no tempo, pouparia o mundo de casos gravíssimos de vergonha alheia.

Mas não é hora de ficar contra a única certeza que tenho, embora não goste de admitir: historicamente – e os quadrinhos nos mostram isso com frequência – tentar voltar no tempo é uma péssima ideia.

Tudo o que me resta é encarar os fatos.

Abro a caixa das mensagens e me permito ler sem fechar os olhos, mesmo porque ler sem ter os olhos abertos seria isso mesmo que Lucas disse: impossível. Faço força para continuar nesse percurso e sou tomada por certo alívio. A situação não chega a ser boa, mas é menos pior do que eu estava pensando. Não flertei, embora tenha me exposto, de certa forma; mas é uma situação contornável. Lição aprendida: não levar celular para bares. Se Tolstói tivesse nascido no século XXI, o começo de Anna Karenina seria diferente: diria que todo bêbado é fonte de humilhação, mas cada mensagem de bêbado é humilhante à sua maneira. A minha não foge à regra, mas não é tão ruim quanto achei que fosse. Pelo menos isso.

Cinco palavrinhas apenas, às quatro e meia da gélida manhã francesa: "acho que ele me traiu".

Embora Rodrigo não tenha explicado porque estava terminando comigo, a possibilidade de uma traição, e não de surto de ansiedade ou coisa parecida, é algo que eu ainda não tinha contado a ninguém. Até agora. As pessoas sabem que foi ele quem colocou o ponto final na relação, mas não fazem ideia do motivo. Eu dizia que ele tinha dado pra trás por medo, insegurança frente à novidade ou qualquer raciocínio que seguisse essa linha. Era dolorido demais admitir que poderia ter sido trocada por outra e suprimi, de maneira muito conveniente, essa parte da narrativa. Não faço ideia da razão pela qual escolhi Lucas para falar sobre isso, mas cérebro de bêbado não tem dono.

E aí está. A verdade não dita, o sentimento reprimido, a impotência de quem é enganado, transmutada em caracteres em um aplicativo de mensagem: acho que ele me traiu. Acho mesmo. Geralmente estou certa, mas nunca afirmo nada sem provas, ainda que hajam evidências. Sou cientistas, e cientistas não opinam. Ou eu confirmo a hipótese – algo que, até agora, não tive vontade (ou força) para fazer – ou esqueço o assunto.

Passado o choque de pensar que escrevi outra coisa, a vergonha pelo que poderia ter acontecido e o alívio por não ser nada tão ruim quanto eu esperava que fosse, recoloco os sentimentos no lugar. É legal Lucas ter dito que é impossível. Será que ele acha impossível alguém trair uma mulher como eu? Ou apenas acha que Rodrigo não conseguiria lidar com duas ou mais mulheres ao mesmo tempo?

Rodrigo sempre teve uma ânsia constrangedora de mostrar suas conquistas. Quando começamos a namorar, fez um anúncio formal na sua roda de amigos. Todos homens, solteiros, bebendo todas em um bar longe de casa. Se estivesse em dois relacionamentos simultâneos, ele teria que brigar muito com seus desejos de se pavonear e, ao mesmo tempo, organizar suas parcas habilidades de administração de crise para conseguir manter um caso sem que a outra pessoa soubesse. Lucas é formado em administração; o mínimo que sabe fazer é identificar um colega que não está se dando muito bem na área.

"Isso não é hora para reforçar a irmandade masculina, Lucas. Você tem que jogar no meu time", digito, quando finalmente consigo responder ao seu solitário e impactante "impossível".

Algo deve ter me animado na conversa com Meghan – talvez o resultado –, porque esse é um clássico movimento de Alice: encontrar o gancho perfeito. Se visse o que acabei de fazer, Emma teria batido palmas na hora, entendendo tudo sem precisar de legenda, o que significa que Lucas também vai entender, porque a gente é assim. Nessas piadas internas, a gente se entende.

É só apertar "enviar" e me arrependo, imediatamente, do que acabo de fazer. Se, bêbada, eu tinha conseguido não fazer besteira, porque pisar na jaca estando sóbria? Só uma idiota faria isso. Fecho os olhos com força, em desaprovação a meus próprios atos, e penso em apagar a mensagem antes que Lucas a veja e comece a imaginar coisas. Até explicar que focinho de porco não é tomada...

Mas já é tarde demais. De novo. Ele leu o clássico movimento de Alice e está digitando algo em resposta.

Teoria do AmorOnde histórias criam vida. Descubra agora