Capítulo 58

17 6 0
                                    

Engraçado como nossos sentimentos são moldados pelo contexto. Talvez seja por isso que não conseguimos controlar o que, ou quando, sentimos o que sentimos: as variáveis que nos confundem não vêm de dentro, mas de fora – e o que está de fora é incontrolável. Há poucos minutos eu estava vomitando, em um banheiro de aeroporto, misturando ressaca, pressa, ansiedade, frustração e mágoa. Fazia tempo que não colocava a cabeça na privada com tantas coisas a tirar do sistema; eu quase não me lembrava de como era. Estranho, também, como me dá vontade de chorar depois que vomito. É como se eu estivesse de luto por algo que abandonou meu organismo na contramão de como ele planejava fazer isso. O vômito é o pé na bunda que o corpo leva quando o que cai no estômago não acha que ele está à altura de processá-lo.

E, agora, entrando em um avião e falando sobre assuntos aleatórios com um homem que admiro, e que não quer falar de física, ainda, porque não quer ser interrompido quando começar, por isso vai esperar estarmos no avião – palavras dele, quase não consigo me lembrar que, em breve, estaremos voando – e esse é, literalmente, o pior cenário para que eu consiga fazer algum sentido. Não me esqueço da minha vulnerabilidade, mas preciso colocá-la escondida em algum lugar se quiser ser levada a sério por Dr. Taylor. Ele nunca deve ter visto uma física com medo de avião e não acho uma boa ideia ser a primeira.

Viu? O que a gente sente – e como a gente sente – se adapta ao contexto, incluindo o medo e as formas que o cérebro encontra de fingir que não o sente. É por isso que estamos vivos.

Essa é a primeira vez que entro em um avião e algo alcóolico é sugerido pela aeromoça antes mesmo de sairmos do chão

Ops! Esta imagem não segue nossas diretrizes de conteúdo. Para continuar a publicação, tente removê-la ou carregar outra.

Essa é a primeira vez que entro em um avião e algo alcóolico é sugerido pela aeromoça antes mesmo de sairmos do chão. Por mais que pareça tentador, agora, melhor não; meu sangue ainda tem vestígios das vodcas de ontem e, por mais que esteja nervosa, preciso ter total consciência do que estou fazendo se quiser me lembrar das coisas estúpidas das quais certamente vou falar na próxima hora. Sempre ouvi as pessoas dizerem "não conheça seus ídolos" e agora sei a razão: quando temos a atenção exclusiva dos ídolos, tendemos a ficar idiotas, quase babando, sem conseguir dizer nada que preste. Sei disso porque é Dr. Taylor quem puxa a conversa, embora eu seja a menos tímida da nossa improvável dupla.

Sorrio para a aeromoça, agradecendo tão gentil oferta dessa cabine executiva, mas negando o champanhe ou qualquer coisa alcóolica que ela esteja servindo. Uma água, por favor?, digo, e me arrependo quando, após apertar seu cinto, Dr. Taylor abre sua pasta, pega uma cópia da minha dissertação. Reconheço o material ao ver meu nome na capa. Quase de imediato, faz a única conexão que eu torcia para que não fizesse:

— Alice Drummond ou... suponho que seu sobrenome tenha mudado, certo?

Ele conhece Rodrigo. Conhece o professor Ricardo. É claro que me conhece, por tabela – e, para ele, a essa altura do campeonato, eu sou uma Lobato. Droga.

— Não, doutor Taylor, eu...

— Arthur, por favor.

— Perdão? – não entendo direito o que ele diz, dada a seriedade com que o faz.

Teoria do AmorOnde histórias criam vida. Descubra agora