Capítulo 21

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Durante a escala em São Paulo, olho o telefone de minuto a minuto, só para ver se Rodrigo mandou algum sinal de vida. Uma ligação, mensagem ou áudio, qualquer coisa que me convença a voltar para casa, nem que seja de ônibus.

Nada.

Por mais que Emma e Erica tentem me incluir nos assuntos, não estou disposta a me engajar. A ideia da viagem foi minha, eu sei. O Louboutin está na mala, mas eu presenteio com ele a primeira pessoa que me prometer devolver a normalidade da minha vida. Quando começa a escurecer, e a hora do embarque está chegando, entro em uma mini crise de pânico. Pergunto inúmeras vezes a Erica e Emma se elas acham que estar aqui é, realmente, a melhor ideia.

— Eu sei que já tá tudo pago, mas não é nada que vai deixar a gente pobre, né? A gente pode voltar pra casa. Vai ficar tudo bem.

— Ali, nem começa. É claro que não ir vai deixar a gente pobre. De dinheiro e de experiências.

— Vamos, se anime – completa Emma. — Você está indo pra uma cidade que sempre quis conhecer – com meu marido, penso em dizer – e ainda vai na convenção dos nerds que te deixou animada por meses – que foi ideia do meu não-marido, lembro. — Diga a verdade: quem precisa de homem quando tem a gente?

Qualquer que seja minha resposta, nada será o suficiente para persuadi-las a dar meia-volta. Nem mesmo se eu contar sobre a noite passada.

Principalmente se eu contar sobre a noite passada.

— Ei, que foi? – Emma nota minha feição mudar no exato momento em que me recordo. — Aconteceu alguma coisa?

— Aconteceu.

O que posso dizer? Sou fraca. Não consigo mais guardar só para mim. Preciso contar tudo o que estou sentindo antes de entrar no avião, que consigo ver da parede de vidro da sala de embarque. Mesmo porque iremos viajar separadas por muitas horas. Se quiser resolver essa confusão de pensamentos antes de pisar em Paris, tem que ser agora.

— Vi Hélio ontem.

O que? Onde? – Erica perguntou.

— No bar.

— Que bar?

— É claro que é o Irlandês, Erica. Você já viu Alice ir em qualquer outro?

— Mas o que você foi fazer no Irlandês?

— Sei lá. Dar tchau?

— Dar tchau pra quem?

— Erica... – Emma estava entediada com a obviedade da resposta.

Conto tudo: vi Hélio, ele me amolou por meia hora, quase soltou que Rodrigo estava comemorando. Conto que foi uma conversa estranha. Conto sobre o olhar bravo de Lucas para o amigo dele, e sobre como bateu o copo no balcão, espirrando cerveja em mim. Conto que a irmã do taxista que nos levou ao aeroporto já foi minha aluna e resolveu fazer física na universidade em que Rodrigo trabalha – e onde eu também estudei. Conto que, quando Rodrigo pediu a suspensão dos ritos matrimoniais, mencionou não estar certo dessa decisão porque se sentiu balançado por outra pessoa, ou algo nesse sentido. Me furto a dizer que essa parte eu é que concluí, sozinha, ele nunca disse nada sobre ter outra. Conto que estou morrendo de medo de entrar naquele avião. Aponto, com o dedo, o avião de que estou falando, pela janela de vidro. Nunca saí do Brasil! Saio falando tudo o que está na minha cabeça, e algumas coisas não fazem sentido no nosso contexto atual. As duas me olham com interesse. Erica parece surpresa com o monólogo, mas Emma não. Ela me encara com admiração, como se eu tivesse vivido o dia mais agitado da vida. Quando termino, me abraça.

Tirando isso, fazem exatamente o que achei que fariam: começam a falar que Hélio é um idiota, que nunca foram com a cara dele e que eu não devo ligar para o que ele diz. "E daí se Rodrigo está comemorando?", diz Emma, a certa altura, "você também estará, em algumas horas", e Erica acena a cabeça em concordância. "Se for pra sofrer, que seja em Paris". Pensando por esse lado, é mesmo. Emma diz:

— Vamos ao que interessa: Luca.

E fala sério. É como se, de tudo o que acabei de dizer, a parte que merece atenção é essa. Não Hélio, não o que Hélio disse, mas como Lucas conseguiu sujar a manga da minha blusa com respingos de Guinness. Olho para ela sem acreditar que, de todo o desabafo, essa foi a informação que julgou ser mais relevante.

— Não se faça de vítima, colega. O mini italiano se importa contigo, eu sempre soube, e essa é uma demonstração clara de que estou certa. Como sempre.

Essa americana é doida, e sei disso porque eu sou doida, e, às vezes, ela fala exatamente as coisas que também penso. A bem da verdade, fiquei satisfeita com o modo como ele tinha se comportado, mesmo sem saber se realmente tinha se importado, e agora Emma está falando isso sem que eu precise expressar minha opinião. Fico um pouquinho feliz. Admito. Quando um homem que você julga adequado te abandona sem mais nem menos, sentir-se importante para alguém legal é uma baita inflada no ego.

Algumas coisas não parecem tão idiotas, ou doloridas, quando as dizemos em voz alta. Elas parecem, apenas, coisas. Talvez até sejam as coisas certas.

Nosso voo é chamado para embarque no portão de número 42. JJ3339. Um nome sonoro, dito sem nenhuma emoção pela voz feminina que nos pede para ir ao local indicado. Olho de novo o celular: nenhuma mensagem, nenhuma ligação, nenhum pedido de desculpas. Nada.

— Manda uma mensagem pra ele – sugere Emma.

— Pro Rodrigo?

— Jesus, não! Pro Luca.

— Pra que?

— Porque você também se importa. Eu sei.

Bufo e reviro os olhos. É claro que Lucas sabe que me importo com ele. Ele se importa comigo. Somos amigos. Tudo isso é óbvio. Quando voltar o agradeço pela cerveja que ele tentou jogar, sem sucesso, no homem inconveniente que cruzou meu caminho.

Da sala de embarque até a porta da aeronave, penso em Rodrigo e no quanto é estranho que, depois de tantos anos, ele não esteja segurando a minha mão e dizendo que tudo vai ficar bem. Que a física não nos decepciona.

Ninguém me avisou que, quando o Cara Certo faz algo errado, tudo perde o sentido, como se a vida não fosse mais explicável. Ainda bem que Newton nunca teve desilusões amorosas, senão estaríamos até hoje sem saber o que raios nos deixa grudados à Terra, mesmo quando estamos prestes a voar.

 Ainda bem que Newton nunca teve desilusões amorosas, senão estaríamos até hoje sem saber o que raios nos deixa grudados à Terra, mesmo quando estamos prestes a voar

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PERGUNTA FINAL:

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