Capítulo 71

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Nos dias entre o acidente de João e sua morte, estive com Lucas por boa parte do tempo. Ele estava me dando a maior força. Nas últimas 48 horas antes de desligarmos os aparelhos, contei para ele a situação e, segurando o choro, confessei não me achar digna de fazer isso. Quem é que desliga os aparelhos de outro ser humano?, perguntei, mas Lucas não tinha a resposta.

Tinha outra pergunta:

— Existe alguma chance de que seu pai volte do coma?

— Não. Segundo os médicos, não. E nem me fale que para Deus nada é impossível.

— Eu não ia falar isso.

— Não?

— Não.

Ele pôs minhas mãos nas dele e olhou em meus olhos, cheios de lágrimas. Posso jurar que os dele estavam encharcados também.

— Independentemente do que você e sua família decidirem sobre isso, lembre-se que vocês não estão matando seu pai. Não deve ser fácil, mesmo, dizer essas palavras, assinar papéis, e não quero que você pense, nem por um minuto, que eu ache que é fácil. Não tenho ideia do que você está sentindo, mas, no seu lugar, eu faria exatamente o mesmo.

Ele não sabia o que eu faria, porque nem eu mesma sabia, ainda, mas entendi seu recado: ele estaria ao meu lado qualquer que fosse a decisão que eu tomasse. O amei profundamente por isso. Quando saí do bar, estava pronta para ter essa conversa com minha mãe e meus irmãos.

Quando ele e Don Giro chegaram ao velório, Ave Maria me cutucou, de perto do caixão, e disse: "seu amigo está aqui". Olhei para frente e o vi, de longe. Ele fez um aceno e eu retribuí, sem sair do lugar. Estava paralisada, meio em choque, e queria ficar o maior tempo possível perto do corpo sem vida daquele homem que, na semana passada, me ligou para perguntar como eu andava e se a gente podia marcar um almoço no fim de semana.

Depois do enterro, uma fila de gente se formou para me cumprimentar. "Tudo tem sua hora", diziam, "que tragédia". "Deus sabe o que faz". Quando finalmente Lucas e Don Giro se aproximaram de mim, depois que a multidão já ia em direção a seus carros, eles não disseram absolutamente nada. Apenas me abraçaram forte. Fiquei abraçada a Lucas por um longo tempo, em silêncio, sentindo que ele me entendia. Ele conhecia a dor. O conforto que esse pensamento me trouxe também me encheu de tristeza. Lucas passou por isso quando era bem menor, e eu não estava lá por ele. Só fiz o abraçar ainda mais forte, pedindo desculpas, sem palavras, por não ter dado a ele esse conforto antes – a qualquer momento, em sua infância ou desde que nos conhecemos.

Ele entendeu; retribuiu minha tentativa de apertá-lo cada vez mais forte, e poderíamos ter ficado ali por horas, tentando tirar a dor um do outro apenas com um abraço, até que Rodrigo chegou e pegou no meu braço – sinal de que era hora de eu deixar Lucas ir.

Mas, antes de soltá-lo, fiz a única coisa que consegui naquele momento de tensão e tristeza: tentei ser engraçadinha.

— Onde eu pego a carteirinha do clube dos órfãos?

— Leve dois retratos 3x4 ao bar e eu vou cuidar da papelada para você – ele disse, e eu ri.

Rodrigo me puxou de novo e, quando o olhei, ele estava meio nervoso, apressado. Não liguei. Olhei rapidamente para ele e disse "espera"; não estava com a menor paciência para ele naquele momento. Disse baixinho, para Lucas, "tenho que ir", e ele cochichou no meu ouvido:

— Quando sentir que está na hora de ficar bem, fica bem. Até lá, conta comigo.

Olhei Lucas nos olhos, agradecendo a gentileza de não tentar me deixar feliz e resignada, aceitando que era para ser e que tá tudo bem pois existe alguém em algum lugar desenhando planos maiores para todo mundo.

Teoria do AmorOnde histórias criam vida. Descubra agora