Capítulo 16

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— Sinto muito por você, Alice. Mas você sabe como o Rodrigo é, né?

— Obrigada, Hélio, mas ele me pegou de surpresa... não posso dizer que sei como ele é.

— Pois é... é... na verdade... é.

Eu não sabia o que dizer nem como lidar. Mexia a limonada rosa com uma colherzinha e não fazia a menor ideia de como ela tinha ido parar ali. Olhava para o meu copo, depois para Hélio, sem graça. Ele bicava a cerveja enquanto eu encarava a limonada, de novo.

Alguém precisava tirar o elefante branco da sala antes que ele se sentasse no meu colo.

— Bom, você o tem visto? – perguntei.

— Não, na verdade, não. Ele tirou uma licença. Depois que vocês terminaram, ele sumiu. Deve estar comem... envergonhado. E você, como está?

Estou prestes a dar um soco na sua cara.

— Bem.

— Isso é bom! E as novidades?

"Quer maior novidade do que ser deixada pouco antes de um casamento para o qual, aliás, você foi convidado?", eu queria dizer. Era mais fácil passar a bola. Tinha certeza que ele teria alguma novidade maior para me contar. Não que eu o conheça profundamente, o que não é o caso, mas ele é o tipo de gente que parece sempre ter uma história que julga ser mais interessante na manga. Nas poucas ocasiões em que estive com ele, Hélio se mostrou uma metralhadora giratória de narrativas cansativas.

Minha boca não conseguiu ser tão prática quanto meu cérebro, me deixando com ar de trouxa quando resolveu que só ia se mexer para dar mais um risinho amarelo. Boca maldita, nunca diz o que deve ser dito no tempo certo. Sou do tipo que remói conversas que poderiam ter sido e não foram com um atraso imenso de percepção. Sempre encontro a resposta certa muito depois, quando as pessoas já não estão mais lá para ouvir. Nesse momento, meu cérebro até conseguiu formular o raciocínio lógico para a conversa; ele só não estava em condições de dar o comando correto. E, para piorar tudo, minha boca resolveu, por conta própria, formular uma frase que se pareceu muito com "e você, como é que tá?". Estava tão fora de órbita que não consigo dar certeza se foi isso mesmo; só sei que o que quer que eu tenha dito criou um monstro em forma de um monólogo interminável. 

Hélio nem respirava. Do mais absoluto nada, queria me convencer que vender imóveis para pessoas ricas é melhor que ser neurocirurgião. Ele nunca foi corretor nem neurocirurgião, então não sei de onde tirou essa ideia. A boa notícia é que, ao adentrar em um terreno de informações tão desnecessárias, ele me deu passe livre para sair mentalmente daquele lugar. Enquanto minha cabeça acenava positivamente, meu cérebro foi dar uma voltinha, elencando tópicos desconexos que culminaram em uma profunda reflexão sobre o que seria a ética pela ótica de um juiz de direito penal. Eu estava lá, escutando Hélio, mas não ouvia muita coisa. Fazia algumas expressões, arqueava as sobrancelhas, você sabe. O básico para fazer alguém achar que está no controle da conversa.

Acho que não perdi nada importante e espero, de coração, que ele não tenha dito, no meio de tanta asneira, que alguém de sua família tinha uma doença terminal porque, se tiver dito, posso ter respondido com um "sério? Mas isso é uma excelente oportunidade de venda, hein?". Essas palavras saíram em algum momento, tenho certeza.

Os amigos que entraram com ele no bar vinham e voltavam do balcão, fazendo gracinhas inoportunas com a desculpa de chamá-lo para se sentar à mesa. Um deles até veio com um papinho de "não fomos apresentados ainda" e beijou minha mão, mas soltou-a rapidamente quando Hélio lhe deu o que poderia ser descrito como um nada discreto soco no braço.

— Essa é a Alice. Ex do Rodrigo.

Ex. A palavra não servia só para ele. Servia para mim também.

Infelizmente, Hélio não foi para a mesa do grupo em nenhum momento. A ladainha parecia ter durado horas, embora o relógio denunciasse apenas alguns minutos. De repente, sem aviso prévio, minha boca finalmente entrou em consonância com o que eu queria que ela tivesse dito quando o vi parado na minha frente como um dois de paus, só que bem menos valioso.

— Hélio, vou indo, tá? Preciso acordar cedo.

— Certo, Alice! Foi bom te encontrar. Não some, não!

Eu não sei o que faria Hélio falar uma coisa dessas para a ex-noiva de seu colega de trabalho. Graças a ele, e seu papo sobre mansões que eu não poderia comprar nem se ganhasse três vezes seguidas na loteria, o que sumiu completamente foi meu sono. Que belo e poético jeito de me despedir do Brasil, não? Me encontrando com um dos melhores amigos do – como Emma diria – embuste.

A coisa toda foi tão absurda que tive a impressão de estar sendo vigiada por todo o bar, que não estava tão cheio, mas serviria de álibi para algumas testemunhas oculares, ávidas pelo desenrolar da situação. Chris e Igor estavam de olho no cenário, prontos para me ajudar a fugir de qualquer situação (ainda mais) constrangedora em que me metesse, como se ser abandonada pelo noivo já não fosse merda o suficiente. Mas, sendo justa, eles sempre estavam de olho em todos os cenários de todas as pessoas. Chris e Igor dariam notícia dos acontecimentos do Bar Irlandês como narradores impecáveis dos fatos. Mas, do cativo grupo de espectadores da casa, Lucas me chamou mais a atenção. Nas poucas vezes em que pude notar sua presença enquanto Hélio falava, com a autoconfiança de uma estrela do rock, percebi que Lucas flutuava em uma nuvem de tensão – como se, ao menor sinal que eu enviasse, ele pudesse chegar em três segundos na cena para acabar com aquela palhaçada toda. Quando o amigo de Hélio beijou a minha mão, de um jeito tão tosco que me fez sentir vergonha por ele, Lucas soltou um copo no balcão com força, fazendo respingar cerveja no meu braço e no rosto do inconveniente. Minha reação imediata foi olhar para a direção de onde a cerveja veio, tentando entender o que tinha acontecido, e fiquei um pouco surpresa com a expressão em seu rosto. Ele parecia furioso. Fiquei apreensiva com a possibilidade de aquilo tudo descambar para uma enorme confusão e senti ainda mais pressa de ir embora.

Enquanto fingia estar interessada no que Hélio dizia, calculava os movimentos para sair dali o quanto antes para chorar, jogar pratos pro alto, mandar tudo ao inferno ou, simplesmente, dormir. Aquele chato me deixou com um gosto amargo na boca ao quase falar que Rodrigo estaria "comemorando" depois de terminar o relacionamento. O que significa isso? Comemorando o que? Ele estava entrando em alguma gaiola ao se casar comigo, por acaso?

Eu era uma pessoa tão horrível a ponto de fazê-lo comemorar ter me deixado?

Eu queria ter perguntado isso tudo, mas, de novo, minha boca e meu cérebro não estavam se entendendo muito bem.

Hélio e eu não somos próximos e nunca dei a ele motivos para não gostar de mim, mas jamais passou pela minha cabeça que ele – um convidado do meu casamento – pudesse dizer que Rodrigo estava celebrando a solteirice. Seria tão legal ter dado um soco na cara dele. Ou, pela expressão no rosto de Lucas, vê-lo fazer isso, ou pelo menos os expulsando do bar, ou qualquer coisa que deixaria Dom Giro de cabelo em pé, quase chamando a polícia. Se isso tivesse acontecido, pelo menos os amiguinhos teriam o que falar sobre mim por alguns dias. Mas, para meu desespero, saí do Irlandês achando que, além de um foco de pena, eu tinha acabado de virar uma piada interna.

 Mas, para meu desespero, saí do Irlandês achando que, além de um foco de pena, eu tinha acabado de virar uma piada interna

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NOTAS FINAIS:

É aquela velha história: diga-me com quem andas... 

Teoria do AmorOnde histórias criam vida. Descubra agora