Durante a manhã inteira prestei mais atenção às vozes da minha consciência do que às palestras. Minhas vozes internas discutiam com vigor sobre o que fazer em relação àquela careca desfilando em Paris. As duas saídas possíveis:
1) vou lá e falo oi;
2) finjo que não estou aqui.
Por mais que a opção 2 seja, na maioria das vezes, uma boa ideia, ela não tem muito a ver comigo. Não sou o tipo de pessoa que finge não estar onde está. E, também, não me parece ser muito prático: se finjo que não estou onde estou, preciso gastar boa parte da energia do dia, ou da semana, tentando me esquivar de um potencial encontro. Fora a constante sensação de saber que, a qualquer momento, ele pode me ver antes e me pegar de surpresa, sem que eu tenha tempo para inventar uma desculpa. Paranoia é o nome disso, acho, e não tenho talento (ou paciência) para delírios, conscientes ou inconscientes. Por isso, quando o mestre de cerimônias anuncia o intervalo do almoço, peço licença à Larissa por alguns minutos – "vou só resolver um probleminha" –, prometendo encontrá-la no lado de fora do prédio para comermos algo. Dizendo precisar ligar para alguém, ela acata a sugestão.
Desço as escadas do auditório com surpreendente pressa. Preciso acabar com o desconforto dessa situação antes que mude de ideia, preferencialmente antes de perder aquela carequinha reluzente de vista. Ou ele se cercar de pessoas. Vigio sua cabeça pelo percurso, mas estou tão afoita que quase o derrubo quando dou de cara com ele.
— Oi, professor!
Digo essas palavras com afobação, e ele me olha com surpresa. Parece ter levado um susto; talvez eu seja a última pessoa que ele espera ver por aqui. Mas, ao mesmo tempo, parece aliviado, como se eu tivesse me teletransportado até o auditório através de um comando dele.
— Alice Drummond! Eu não acredito.
Não preciso olhar no relógio para saber que mal deu meio dia e já ouvi essa frase duas vezes. Aparentemente, Paris me faz deixar pessoas incrédulas.
— Acabei de falar de você! – ele diz, tocando meu braço, talvez para se certificar de que eu realmente existo e estou na sua frente.
— Espero que bem – respondo, dando uma piscadinha.
Um rápido parêntese: o professor Ricardo Sabino, que tem uma careca reluzente incomparável, foi meu orientador durante o mestrado, e foi um dos mais empolgados durante todo o processo, dizendo a todos que minha pesquisa ia muito bem, obrigado, e que eu traria "grandes contribuições à astrofísica". Exageros à parte, estar perto dele é sempre animador. Carequinha, como o chamamos na universidade, parece um avozinho ligado em uma tomada 220. Quem já passou por um mestrado sabe o tamanho da loucura. Em alguns momentos, a coisa toda é desalentadora, beirando o desespero. Coisa de ver o cabelo cair em tufos enquanto você toma banho. Para quem nunca passou por isso, aí vai um resumo: não importa o quanto você saiba sobre o tema que escolhe estudar, as evidências sempre mostram que você sabe muito pouco para defender a ideia final na frente de pessoas relevantes e que de fato entendem sobre o assunto. Sair dessa experiência com um título de mestre ganha uma magnitude de impossibilidade impressionante depois que você se propõe a passar por isso. Mas você não pode parar, não no meio do caminho. Então, enfia cada vez mais as caras nos livros, nas teorias, nas entrevistas, na pesquisa ou em qualquer coisa que te faça sentir que seu trabalho é válido, embora o mundo inteiro pareça dizer que não, que nada disso importa e você está sendo uma idiota em acreditar que seu estudo fará alguma diferença. São dois anos intensos e que, se não dão saudade, pelo menos nos enchem de orgulho.
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Teoria do Amor
RomanceLembra das aulas de física que te faziam pensar a razão pela qual era preciso saber o que aconteceria a um bloco de três quilos se você o empurrasse de uma altura de quinze metros a uma velocidade de seis quilômetros por hora - bem como a aplicação...