Estava em início de carreira como professora quando prestei concurso para dar aulas em escola pública – e passei. Foi uma conquista que comemorei muito. Estava certa de que ia ser mais um passo rumo ao meu sucesso absoluto como docente em física. Meu histórico me dava essa licença: me formei em quatro anos, algo raro dentro da minha área, fui destaque acadêmico, escrevi um projeto de conclusão de curso promissor, segundo meus professores. O dia da formatura é aquele dia em que a gente acha que tem o mundo nas mãos. Agora tudo vai dar certo, e eu tenho um pedaço de papel que não só comprova, mas promete, que isso vai acontecer. Quando entrei em sala de aula como professora titular pela primeira vez não me preocupei com a potencial dicotomia entre ciência e religião vinda dos alunos, pois qualquer argumento sobre intervenções divinas me parecia facilmente derrubável. Ora, eu tinha acabado de concluir a faculdade com louvor, me julgava a guardiã de todas as respostas e esperta o suficiente para descobrir as respostas que eu ainda não tinha.
A prática da sala de aula me mostrou que eu não sou nenhuma dessas duas coisas, e eu me lembro muito bem como essa revelação começou, através da Bianca, quando ela disse:
— Dona, cê vai me desculpar, mas não tô entendendo nada do que cê fala.
Não gosto que me chamem de "dona", pois não sou dona de nada – nem da verdade, olha só –, mas ela insistia em só me tratar assim.
— Eu tô aqui pra te ajudar, Bianca. Você quer que eu explique de novo?
— Na verdade, não. Acho que nunca vou entender, nem que você explique mil vezes.
Bianca era uma menina de dezessete anos cursando o primeiro ano do ensino médio pela segunda ou terceira vez, quando o ideal seria já estar se preparando para o vestibular. Tivemos essa conversa por volta de março, bem no início do ano letivo, e eu tinha acabado de entrar na escola, mas estava claro que, se algo não mudasse, ela iria repetir de novo. Durante meses tentei achar alguma forma de ajudá-la, dar apoio, mas ela sempre abaixava a cabeça e dizia que não, obrigada, o que me frustrava muito. Os colegas me falaram várias vezes como ela era um "caso perdido", mas eu acredito tanto em casos perdidos quanto acredito em horóscopo. Então, não engoli a conversinha. Bianca tinha potencial, eu podia ver, debaixo de todas aquelas camadas de desinteresse inexplicável.
Um dia ela me procurou espontaneamente, ao fim da aula, para confessar, mais uma vez, que não conseguia assimilar nada sobre física.
— Sou tão burra! Nada disso entra na minha cabeça.
— Não fale assim, Bianca! É claro que você pode aprender. Todo mundo pode.
Bianca me encarou com surpresa e espanto, como se eu tivesse dito o maior absurdo que poderia ter escutado em toda a sua breve vida, mais absurdo até do que toda a teoria e o cálculo que eu expunha a ela em um quadro de giz. Ela não reagiu ao argumento. Não discordou nem concordou. Pelo que vi, ela não estava à vontade para escolher nenhuma das opções, embora tivesse pressa para resolver sua situação de alguma forma.
— Eu aprendi lá em casa que tudo isso que acontece no mundo é obra de Deus. As coisas acontecem porque ele quer. E se ele quer, por que isso tem que entrar na minha cabeça? Não faz a menor diferença. Eu só não posso ficar repetindo de ano mais. Pode me dar os pontos da prova se eu responder que é tudo "obra do criador"?
A pergunta me chocou bastante, pois era um raciocínio muito bem fundamentado no que esse tipo de crença propõe: se há alguém decidindo sobre nós, está decidido. Não há nada o que fazer. Só que a ciência fala exatamente o contrário disso – e é por causa dela que o contribuinte paga meu salário através do recolhimento de seus impostos.
— Não, Bianca, não posso fazer isso.
— Por que? Se é assim que funciona. Minha mãe me diz desde pequena.
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Teoria do Amor
Lãng mạnLembra das aulas de física que te faziam pensar a razão pela qual era preciso saber o que aconteceria a um bloco de três quilos se você o empurrasse de uma altura de quinze metros a uma velocidade de seis quilômetros por hora - bem como a aplicação...