Capítulo 63

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Girolamo respondia às perguntas da Dra. Cora sobre potenciais alergias, histórico médico e muitas outras coisas que raramente seriam perguntadas sobre um paciente com o curioso caso de um soco na cara.

— Me admira o senhor estar aqui – ela disse. — As pessoas acham que as mulheres são sensíveis, mas geralmente são os homens que não suportam ver uma gotinha de sangue.

— Eu não acho que seria uma boa ideia pedir para Chris trazê-lo... pra falar a verdade, nem sei se ela tem carteira de motorista – ele respondeu.

Dra. Cora ficou confusa.

— Chris é...

— Nossa garçonete. Quer dizer, garçonete do bar que temos, meu filho e eu.

— Ah! – ela riu, achando graça. — Eu estava me referindo à sua esposa.

— Bom, se ela viesse, você ficaria surpresa.

— Muito brava?

— Muito morta.

Dra. Cora arregalou os olhos e encarou Girolamo como se aquele fosse o maior absurdo que pudesse escutar na semana. Ele, então, começou a explicar como conheceu uma irlandesa na costa italiana, se apaixonou, ficou viúvo aos vinte e poucos anos, a terrível doença que tirou dele o amor da sua vida, sua vinda ao Brasil, o Irlandês, Alice, Alice na França, Rodrigo em Belo Horizonte e, finalmente, o soco na cara.

— Uau. Italianos realmente sabem sumarizar uma história como ninguém.

Girolamo ficou em dúvida: isso era um elogio? Talvez não; pelo seu histórico pessoal, absolutamente não. Ressentido, calou-se por tempo o suficiente para que Dra. Cora se preocupasse. Aparentemente, ela sabia, "pelos filmes e tal", que um italiano não consegue ficar em silêncio por muito tempo sem que haja um problema grave. O italiano à sua frente pensava se ela também captou, nos filmes, que um italiano irritado pode não ser a melhor ideia do mundo. Vito Corleone que o diga.

Ao sair do mundo paralelo que tinha criado para si mesmo, Girolamo admitiu ter contado em detalhes o que levou ao evento do dia, e essa foi a origem da insinuação de Dra. Cora sobre a potencialidade de me ver ali novamente, caso "valesse a pena" ter o outro olho comprometido pela honra da donzela.

Nas palavras dele.

Enquanto contava o que aconteceu no consultório durante minha ausência, meu pai dava à história contornos dramáticos demais até para seus próprios termos. Transformar minha ida ao hospital, uma ocorrência que trouxe alguns traumas à tona, em um romance quixotesco em que eu saía machucado e ele fazia amizades enquanto se achava o poderoso chefão é muita informação para a minha pouca paciência. Fico irritado.

— Você contou pra sua nova amiga que ela é a cara da sua falecida esposa?

— Claro que não. Não queria tornar a situação embaraçosa.

— Não queria torná-la embaraçosa pra você, né? Porque, pra mim, isso não se aplica.

A convicção entrega o tamanho da minha vergonha, e não só pela conversa dos dois, detalhada demais para que eu acredite estar acurada, mas por tudo o que me trouxe até esse momento. Estou farto de tudo. Quero sair completamente de cena. O silêncio dos meus pensamentos deve ter causado algum sinal de alerta, já que Girolamo, antes risonho, achando a maior graça da bizarra situação em que nos coloquei, fecha a expressão e acha uma boa ideia me lembrar precisamente daquilo que eu quero esquecer.

— Você precisa contar pra Alice o que ele fez. Eu tenho certeza de que, o que quer que você tenha feito, será perdoado.

Ele não pode estar falando sério.

Teoria do AmorOnde histórias criam vida. Descubra agora