Capítulo 6

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Lucas, gerente do Bar Irlandês, é caladão, tímido, extremamente prático, simpático por estratégia comercial e com pavio curto para engraçadinhos. Trata as pessoas com gentileza, quando necessário, mas não distribui sorrisos de graça. Quando o conheci, no dia de seu aniversário de dezoito anos, ele tinha acabado de entrar na faculdade de administração. Desde então não houve uma semana em que não tenhamos nos visto ou nos falado, exceto pelas últimas, em que me tranquei em casa e apaguei da mente o óbvio: eu podia contar com ele. Lucas se tornou um dos meus melhores amigos, do tipo que ouve minhas lamentações sem me julgar e está sempre disposto a comemorar minhas alegrias e conquistas. Exceto quando finalmente apareci com Rodrigo a tiracolo. Para ser honesta, os dois nunca se bicaram, e não faço ideia da razão. Lucas não distribui sorrisos de graça, mas também não desgosta das pessoas com facilidade. Ele é meio complexo de entender, ainda que valha a pena tentar.

Mas o nome dele não é Lucas.

Lucas é como eu o chamo.

O nome do gerente do Bar Irlandês, que tem um par de olhos castanho-esverdeados capazes de me deixar levemente constrangida por existirem, é Luca. E ele é o filho do dono.

Ser amiga do herdeiro parece conveniente, eu sei, mas que fique claro: nunca recebi regalias por ter sido escolhida por Luca – que, por razões pessoais, vou continuar chamando de Lucas – como sua amiga brasileira, mesmo porque ele tem muitas outras amigas brasileiras e, se fosse agraciar todas com descontos, teria falido seu próprio estabelecimento em menos de um ano.

Ele é novo e muito bonito para alguém tão novo, mas acho que ninguém dá a ele tão pouca idade. Lucas sempre pareceu bem mais velho, mas não tão velho que não parecesse jovem. Sabe como? Ele carrega uma bagagem não-declarada de experiências que faz com que a primeira impressão sobre ele seja um misto de respeito e comiseração. Mas isso é só no primeiro momento. Bastam cinco minutos de conversa para que você descubra que ele merece mais do que sentimentos causados por impressões superficiais. Assim como o pai, ele é interessante, inteligente e, dependendo do dia, tem uma sensibilidade latente, pronta para subir à tona a qualquer momento. Tudo isso faz dele um homem charmoso, ainda que seja apenas um menino de vinte e poucos anos.

Desde o início nossa dinâmica foi bem direta e fundamental para minha sanidade. Consiste em só tocar em um assunto, sobre ele ou sobre mim, se for imprescindível. Por que? Quando o assunto acontece, é difícil nos fazer parar. Lucas e eu passamos madrugadas inteiras dentro e fora do Irlandês – sim, no meio da rua – discutindo sobre os mais variados assuntos. Ele tem opinião para quase tudo, mas só expõe quando é perguntado sobre isso, e eu vou pelo mesmo caminho. Eu gostei dele desde o primeiro minuto e, aparentemente, ele também. Sempre fomos discretos no nosso afeto – Rodrigo não o suportava, talvez exatamente por isso, e suas namoradas nunca entenderam meu jeitinho peculiar de ser –, mas nunca deixamos de ficar à vontade perto um do outro.

No dia em que Girolamo revelou me ver como a filha que não teve, minha primeira reação foi dizer:

— Deus me livre ser irmã do Lucas.

Com os ouvidos atentos ao diálogo, apesar de fingir indiferença do outro lado do balcão, ele deu uma risadinha irônica.

— Você adoraria ser minha irmã.

— Você está cheirando cola?

Ele me olhou sério e achei que tinha ficado chateado pelo comentário, mas – e às vezes me esqueço disso – Lucas não se chateia com facilidade.

— Você não acredita em Deus, Alice. Toda vez que fala em nome dele é porque está mentindo descaradamente.

O que posso fazer? O cara me conhece.

Teoria do AmorOnde histórias criam vida. Descubra agora