Capítulo 24

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DIA 2

Seis horas de voo depois e ainda estou viva, mas sem o menor sinal de sono. Como se fosse uma grande ideia, decido ver O Casamento do meu Melhor Amigo. Se as coisas fossem diferentes, seria eu a me casar amanhã.

Puta que pariu. Realmente, seria amanhã. Quem poderia apostar que eu atravessaria um oceano inteiro um dia antes do meu casamento? Julia Roberts certamente não colocaria seu dinheiro nisso.

Às vezes, durante o percurso, uma das meninas vem ver se eu estou bem, viva e mentalmente estável. Minhas colegas de fila dormiram a maior parte do tempo até aqui, alheias a qualquer sentimentalismo meu. Provavelmente não verão quando eu chorar litros ao fim do filme. Emma e Erica de vez em quando passam pelo corredor rumo ao banheiro e perguntam se quero andar pelo avião, para "evitar pernas inchadas". Estou presa entre duas dorminhocas e prefiro ficar com os pés a ponto de explodir do acordar alguém só para passear pelo corredor. Estou quieta por horas a fio e, quando a moça ao lado acorda para fazer xixi, digo "acho que também vou" e aproveito a oportunidade. Essa sou eu: indo com o fluxo, nunca contra ele.

Bem diferente de Rodrigo, se ele estivesse na minha posição.

O filme acaba, eu vejo outro, as dorminhocas dormem e, de repente, os comissários passam com as bandejas de café da manhã, pouco antes de o piloto anunciar, em inglês, que estamos a cinquenta minutos do pouso. Ele diz, também, que o tempo na França não é dos mais agradáveis. Chove e faz frio. Possibilidade de leve turbulência na descida, devido a tempestade de raios, ou algo assim. Não tenho certeza. Sempre que ouço a palavra "turbulência", todo o resto da frase some. Racionalmente, entendo a turbulência. Emocionalmente, meu cérebro lê: prepare-se para encontrar a morte.

A senhorinha do meu lado é do meu time nessa. Assim que o comandante termina de falar, ela começa a resmungar.

— Dizem que a hora do pouso é a mais crítica, e com raio, então! Deus nos guie. Só falta um raio derrubar a gente.

Visto minha melhor expressão de quem concorda, mas também está morrendo de medo, podemos falar de outro assunto?, só que, por mais estranho que pareça, eu quero falar sobre esse assunto. Me sinto invadida pelo sentimento de, finalmente, ser necessária. Passei a vida me preparando para esse momento. A senhorinha me dá a deixa perfeita para transformar o sonho em realidade. Dou um risinho, o que a deixa levemente ultrajada.

— Como você consegue sorrir? É perigoso, minha filha!

— Na verdade... – até me endireito na poltrona para começar. Professor Quintana ficaria orgulhoso do tom tranquilizador que consigo emular. — O avião é um lugar perfeitamente seguro durante uma tempestade de raios. Pode ficar tranquila.

— Não seria um carro? – ela parece confusa. Quem quer que a tenha explicado sobre isso não incluiu uma lata voadora na equação.

— Também. O princípio é o mesmo para o carro e para o avião.

— Não, menina. O carro tem rodas de borracha. Aqui no alto as rodas do avião estão guardadas. É bem diferente.

Embora as luzes da cabine estejam em seu menor nível, sinto tudo se iluminar ao meu redor. Eu, que achava que uma física nunca teria seu momento de glória em emergências aéreas, percebo de imediato que é chegado meu momento de brilhar. A senhorinha está visivelmente angustiada com a possibilidade de um avião ser atingido por um raio e ser derrubado por ele, e eu conheço a verdade sobre tão terrível encontro de forças. É hora de salvar o dia que está apenas começando.

— Na verdade, não são as rodas do carro que protegem as pessoas dentro dele. É o próprio carro. A lata. A eletricidade do raio se distribui pelo metal inteiro e não atinge quem está dentro. Imagina o avião, que tem muito mais metal que o carro?

Teoria do AmorOnde histórias criam vida. Descubra agora