Descontrolo

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O meu namorado Chris (e ainda soava estranho pronunciar a palavra "namorado") estava constantemente a tentar, com esforço, manter-me inteira. Todos os pedaços que me compunham, ameaçavam violentamente quebrar. Por mais vezes que Chris me apanhasse a chorar, e nos últimos dias era recorrente, Chris nunca desistia de me ajudar, nunca desistia de mim, apesar de conseguir ver no seu olhar a preocupação que lhe causava. O seu primeiro instinto era agarrar-me com força e envolver-me nos seus braços, a última barreira de defesa que eu tinha. Sem ele não me sentia capaz de impedir a minha vida de desabar. Sentia-me como um grande iceberg. A parte visível, por mais chocante que possa ser, em nada se compara ao que está submerso, aos pensamentos que me têm assombrado e às imagens que me acompanham para todo o lado. E uma pequena crise é o suficiente para que o iceberg sofra uma derrocada, pedaço a pedaço, até que nada reste para destruir. Era exatamente assim que me sentia. Minuto após minutos, hora após hora, dia após dia, mais um pedaço de mim era pedido deixando-me descompensada. Só Chris parecia tentar manter-me à superfície. No entanto, o pior parecia ser quando o pedaço deslocado atingia a água provocando um maremoto, causando estragos não só para mim, mas para todos à minha volta. Odiava especialmente essa parte. Odiava causar qualquer tipo de efeito, ondulação ou inundação na vida de alguém, especialmente daqueles que mais amo. Toda aquela fragmentação parecia não só afetar-me a mim como também as minhas relações com os outros, mas não sabia como evitá-lo. Se tivesse a solução punha uma pausa naquela distância que me cortava relações e me deixava à deriva como um pequeno iceberg isolado. Se não fosse uma crise a provocar a derrocada de mais um pedaço meu, era o sol a causar um derretimento rápido e imparável e com ele lá se ia toda a minha energia. Pouco me restava, com muito pouco podia contar. Sabia à partida que não podia contar com o meu coração partido, esse tinha-me abandonado há muito tempo. O meu corpo, ainda que de pé, pouca força tinha para me permitir dar um passo em frente. Sentia os assustadores impactos das insónias, do cansaço e da desnutrição e o pior de tudo isso, é que não conseguia evitá-lo. No entanto, o que mais me espantou, foi a traição da minha mente. Até agora, sabia que independentemente do meu coração partido ou da minha saúde deteriorada, tudo era possível porque tinha, pelo menos, a minha mente forte e determinada e achava que podia confiar nela. Mas estava enganada. Até a minha mente tinha desistido de mim, de nós. O seu declínio era rápido e assustador. Nestas condições era difícil ter esperança, continuar ou sequer sair da cama todas as manhãs. Pensei que, tanto eu como a minha mente tínhamos concordado que desistir não era uma opção. Que ambas sabíamos que existiam pessoas que precisavam de nós. Que tínhamos de lutar e ser fortes, mesmo que tivéssemos de o fazer contra o nosso corpo e o nosso coração. Os pensamentos repetitivos e ensurdecedores que me inundavam, despoletavam em mim sentimentos destrutivos e sombrios que nunca pensei sentir. Aquele tipo de sentimentos que as pessoas más sentiam e que eu criticava sempre que dava na televisão. Como é que pude pensar que era imune a tamanho sofrimento? Afinal, todos temos um lado bom e um lado mau. No meu caso, o lado mau avançava violentamente enquanto o que restava do meu lado bom lutava contra tais avanços. Isso deixava-se exausta e levava-me a isolar-me do mundo. Como poderia aproximar-me de alguém carregando tanta negatividade? Já ninguém tenta sequer falar comigo, é inútil. O meu isolamento fez com que as pessoas que me amam receiem aproximar-se e piorar o meu estado débil. Às vezes vejo-os observar-me à distância, ponderando se devem ou não tentar intervir ou dizer alguma coisa, no entanto, também os vejo desistir derrotados. Devia ficar magoada, mas não fico. Depois de conhecer a verdadeira dor, tudo o resto se transforma em desconforto e, com toda a sinceridade, como poderia eu ficar magoada? No seu lugar faria o mesmo. Afinal de contas, a verdadeira culpada era eu. Ninguém me pediu para me afastar, para deixar de falar com as pessoas, para passar os meus dias em agonia ou a chorar. O que se passava comigo estava completamente fora do seu controlo. Ou do meu, para todos os efeitos. Eu também não tinha pedido nada naquilo. Sentia-me uma expectadora impotente e passiva a ver a vida passar em câmara lenta. Dava por mim a observar, sem nada poder fazer, imóvel e alheia ao mundo que continua a rodar em torno do sol ou ignorante das pessoas à minha volta. Em tempos cheguei a acreditar que podia sempre fazer algo para ajudar ou para melhorar a vida dos outros, mas já não acredito. Agora, gostava apenas que alguém pensasse como eu outrora pensara e viesse melhorar a tortura da minha existência.

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