Mãos à obra

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Os papéis pareciam ter-se invertido. Hoje era eu que apresentava dificuldade em acompanhar o passo apressado do pai e não o contrário. Peter, contrariamente, não parecia ter notado nada de diferente falando alegremente com o pai sobre o tempo e o jardim. Ao atingir finalmente os sofás exteriores que rodeavam a fogueira agora apagada, senti-me pronta para ter uma das conversas mais importantes nos últimos tempos. Se por acaso o pai ou Peter não gostassem da minha ideia para salvar as nossas finanças, não tinha plano B ou C. Não havia mais plano nenhum. Tentei apagar esses pensamentos intrusivos da minha cabeça antes de iniciar a conversa. Precisava de estar o mais descontraída e positiva que me fosse possível.

-Bom, precisamos os três de falar sobre um assunto importante. -comecei a medo. -Tal como o pai me pediu, eu dei uma vista de olhos pelas nossas contas, poupanças, gastos e... as coisas não estão muito famosas. -tentei suavizar.

-Desculpa, querida! Eu devia ter calculado que as coisas estivessem nesse estado ou pelo menos preparar-te para o que poderias encontrar. -o pai parecia mesmo abatido.

Apesar de ter sido bom que o pai me preparasse ou que falasse com antecedência sobre as dificuldades que passávamos, achei que dizer-lho só pioraria a culpa que sentia naquele momento. Decidi abordar a conversa segundo uma perspetiva positiva centrada nas soluções.

-Não estamos na ruína, mas podemos lá chegar se não fizermos nada rapidamente! -disse por fim. -Ainda temos a conta poupança das crianças como última hipótese, mas eu não queria nada ter de mexer nesse dinheiro... acho que a mãe não iria querer isso, especialmente se tivermos outras opções.

-E que opções são essas? -questionou-me Peter sabendo que horas antes, durante a nossa conversa no rio, lhe tinha dito que não tinha pensado em nenhuma solução.

-Eu tive uma ideia. Entretanto. -acrescentei para o esclarecer. -Não podemos perder a nossa casa, temos de continuar a pagar os tratamentos do pai e eu não queria nada ter de utilizar o dinheiro que os pais juntaram durante anos para a nossa educação... então, lembrei-me que poderíamos fazer uma venda de garagem para fazer algum dinheiro, pelo menos o suficiente para pagar as rendas em atraso e os tratamentos do pai. E assim também ganhamos mais tempo para pensar numa solução melhor ou mais duradoura. Eu e o Peter podemos arranjar empregos, por exemplo. -nem pai nem Peter me deixariam ir trabalhar, mas dizê-lo em voz alta ajudou a motivar o meu exigente auditório.

-Uma venda de garagem dizes tu... -começou Peter.

-Sim! Podíamos vender coisas de que já não precisamos: roupa, objetos, brinquedos... tenho a certeza que temos na garagem alguns utensílios de jardinagem ou até coisas de bebé guardadas desde que a Corrine nasceu... -deparei-me com a dura realidade. Corrine já não era mais um bebé, tinha crescido. A mãe já não estava connosco, não pude ver a sua última bebé crescer. Corrine e Spencer tinham sido levados, onde estariam eles? O silêncio que se fez foi ensurdecedor e penoso para a minha alma há muito apagada.

-A tua mãe ficaria muito orgulhosa de ti, Sophia! -foi tudo o que o pai conseguiu dizer.

Deixei escorrer lentamente uma lágrima sobre a minha face gélida e corada. A pequena lágrima não teve grandes hipóteses de viver uma vida livre porque Peter aproximou-se a escorraçou-a levemente.

-Eu acho que é uma ótima ideia! E se for necessário arranjar um plano B, um C, um D, o que for, eu estou aqui para te ajudar! -Peter era de facto um ótimo mano mais velho, tinha imensa sorte em poder caminhar na Terra ao seu lado.

Depois da nossa conversa o relógio apontava a hora de descanso do pai. Peter foi deixá-lo confortavelmente no seu quarto enquanto me dizia que fosse lanchar para ter força para o trabalho que se avizinhava. Para fazer uma venda de garagem era necessário selecionar os itens a vender, triá-los para ter a certeza que estariam em boas condições e definir os seus preços. Dava imenso trabalho, mas era de longe a nossa melhor opção.

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