Perdi o meu colar

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Todas as manhãs são difíceis para mim. Não porque tenho de fazer o pequeno-almoço para todos e levantar as crianças, mas porque sou muito dorminhoca e custa-me levantar da cama. Apesar disso tenho o despertador antigo da mãe, dos anos 90, que encontrei no sótão. Nunca me atraso, graças a ele. Eu e o Peter costumamos chamar-lhe Tagarela, porque não para de tocar até carregarmos no botão vermelho. Gosto deste despertador porque não nos acorda com aquelas músicas chatas, mas com gravações feitas por nós. Todos os dias acordo com a melhor música de sempre... e com música quero dizer, com as crianças a gritar "SOPHYYYYYY, acorda! Nem penses em ser irresponsável e ficar a dormir mais um bocado! Levanta o traseiro Soph!". Ouço isto repetidamente até eu me levantar.

Incrivelmente hoje, quando acordei, eram 10:30h. Fiquei assustada! Porque haveria eu de ter dormido tanto tempo? Dirigi-me à cozinha e já todos tinham tomado o pequeno-almoço. Na mesa já só restava o meu leite e a minha panqueca com geleia de morango. Onde está tudo e todos? Passei pelo frigorífico para ver se tínhamos compromissos no calendário da família. Fez-se finalmente luz na minha cabeça. Estamos no dia 17 de Agosto e eu faço anos no dia 21! Era óbvio que tinham ido comprar-me uma prenda.

Desde que a mãe morrera deixei de querer festejar o meu aniversário. Que piada tem o dia em que nasci se quem me deu à luz não está comigo? Por isso, esqueci-me completamente desse evento.

Tomei o meu pequeno-almoço com Mr. Spike uma vez que era o único em casa. Lavei a loiça e fui brincar com o lavrador branco para o jardim.  Quando chegaram era hora de almoçar. Jordyn dirigiu-se à cozinha para pôr a mesa, mas reparou que a mesa estava posta. Eu adiantei-me porque tinha medo que Jordyn tentasse fazer tudo o que eu fazia em casa e me fizesse sentir desnecessária.

-A Sophy pôs a mesa! Boa, já podemos comer! -disse Jordyn, a minha futura madrasta.

-O que trouxeram? -perguntei.

-Frango com batatas fritas e arroz. -disse Spencer.

-Maravilhoso, estou com fome! -respondi-lhe.

O almoço estava incrivelmente bom. Comemos todos "em família" tal como Jordyn queria mas o ambiente estava um tanto pesado.

Depois da sobremesa, Peter e eu fomos para o nosso quarto para evitar as conversas chatas de Jordyn.

-Peter, quem desligou o meu despertador?

-A ideia foi da Jordyn, por isso deve ter sido ela. Mas resultou! -disse-me contente.

-Eu sei que me foram comprar um presente.

-Porque haveríamos de o fazer?

-Porque estou quase a fazer 15 anos.

-Estás uma mulher! -disse rindo-se.

Inclinei-me para voltar a ligar o meu despertador e senti que alguma coisa me faltava. Tentei lembrar-me olhando para todo o lado e apalpando tudo à minha frente. De repente, meti a mão ao pescoço e o colar da Stella que a avó me deu não estava lá. Tentei lembrar-me do que tinha feito no dia anterior. Lembrava-me de o ter tirado e pousado na mesinha de cabeceira para ir tomar banho, mas não me lembrava de o ter colocado de novo. O colar deveria estar mesmo ao lado do despertador. sentei-me na cama e comecei a entrar em pânico.

-Peter, viste o meu colar?

-Qual colar? Deves ter uns três mil colares. -respondeu brincalhão.

-O colar que a avó me deu, em forma de borboleta. Aquele antigo!

Peter olhou para mim, viu-me desesperada e percebeu que era algo sério.

-Tem calma! Deve estar caído por aí. Vamos encontrá-lo!

-Peter... Tu achas que a Jordyn tenha alguma coisa a ver com o desaparecimento do meu colar?

-Não, claro que não! Porque haveria de ter?

-Não sei. -respondi-lhe. E começamos a procurar pelo resto da casa.

Peter meteu toda a nossa família e Jordyn à procura do colar, que era tão importante para mim.

No final do dia ainda ninguém o tinha visto e eu desisti de procurar. O meu colar desaparecera e isso deixou-me tão triste que não me sentei à mesa para jantar. O pai veio ter comigo ao meu quarto.

-Sophy, posso entrar?

-Sim. -respondi-lhe com voz fraca.

-Estás assim por causa do colar? -perguntou-me o pai.

-Sim, também. -respondi-lhe.

-Porque é que esse colar é tão especial? Tens tantos outros e tão bonitos!

-Aquele colar foi-me oferecido pela avó. Pertenceu à tia Stella. Tu sabias?

-Oh sim, eu sabia. Nunca a conheci, como é óbvio, mas a tua mãe já me tinha falado dela.

-Eu gostava imenso dele. E tinha muito valor sentimental para mim.

-Eu compreendo-te, querida. Esse colar é tal como o teu despertador, não é assim?

-Sim, pode dizer-se que sim.

Lembrei-me, nesse momento, de Peter me ter pedido para falar com o pai sobre Jordyn e aproveitei o momento para o fazer.

-Pai...! -disse-lhe antes que ele saísse.

-Sim?

-Podemos falar sobre outra coisa?

-Sim, minha querida. Diz-me de que se trata.

-Bem, eu queria falar contigo em nome de todos... Nós não queremos que te cases com a Jordyn. Não queremos outra mulher aqui, no lugar da mãe.

-Sophia! -disse irritado. O pai nunca me chama Sophia. -Não acredito que não me queiras ver feliz!

-Eu quero! Mas nós podemos fazer-te feliz! Somos uma família.

-Não é esse tipo de felicidade de que estou a falar! Vais perceber isso quando tiveres um namorado. Há vários tipos de amor! Um que só os bons amigos podem dar. Outro que só a família sabe dar. Outro que recebemos dos nossos companheiros do mundo animal, como Mr. Spike. E por último, aquele amor que só uma pessoa nos pode dar. Não uma pessoa qualquer, mas aquela pessoa. Eu amei e amo a tua mãe como nunca amei ninguém mas ela não está comigo aqui. Estou a ficar velho para vos criar aos cinco sozinho. Preciso de alguém comigo. Percebes-me?

Eu percebia-o, só não achava Jordyn a tal pessoa especial.

-E o que te faz pensar que é ela?

-Sophy, dou-te uma semana para me responderes à tua própria pergunta. Não penses muito. A resposta é mais fácil do que aprender a andar.

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