Pânico

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Girei frustrada a maçaneta da torneira para o lado da água fria. Apesar de normalmente preferir tomar banho com a água a escaldar, queimando a minha pele nua por baixo do chuveiro, desta vez queria sentir o frio da água gelada. Queria despertar a alma, sem que para isso precisasse de despertar, ainda mais, a minha mente já barulhenta. Despi-me sem energia, retardando os movimentos e bufando perante tamanho esforço. Vagarosamente entrei no chuveiro colocando-me sobre a água fresca que caía como chuva no inverno. Estremeci mal a água entrou em contacto com a minha pele. Depois disso, a água gélida tornou-se incrivelmente relaxante e prazerosa. O meu corpo começou por ceder à temperatura contraindo e descontraindo os músculos e desacelerando a respiração. Girei novamente a maçaneta colocando a água um pouco mais morna, ainda que fria, para me permitir tomar um banho completo, antes de entrar em hipotermia. Assim que coloquei o shampoo no cabelo, o meu corpo soltou-se completamente sendo inesperadamente agradável e libertador. Vi constituírem-se as condições perfeitas para o meu cérebro navegar nos seus pensamentos rápidos e ruidosos, abandonado quase por completo a realidade. Apenas os meus membros funcionavam automaticamente permitindo-me, de facto, tomar banho.

Ao observar a embalagem do gel de duche lembrei-me dos meus irmãos e na possibilidade de não tomarem banho há um mês. Spencer não era um grande fã de duches, era sempre uma luta para que entrasse na banheira. Quando a mãe ainda cá estava, inventava histórias que o ajudavam a esquecer o facto de não gostar da hora do banho. Comigo já não resultava tão bem, mas sabia que brinquedos colocar na banheira para que não fosse tão difícil para ele. De certeza ele gostaria de tomar um banho agora. Tinha a certeza de que ele sabia agora a importância de tomar um banho e se sentir limpo e cheiroso.

Interrompi o meu pensamento com um outro mais profundo e aparentemente não relacionado.

As pessoas costumam dizer que o amor é o sentimento mais poderoso que existe. Segundo os últimos eventos da minha vida, via-me obrigada a discordar. O amor não era o sentimento mais poderoso, era talvez o mais bonito. O sentimento mais poderoso era, sem sombra para dúvidas, o medo. Enquanto o amor demorava anos a construir e requeria um esforço constante, o medo demorava apenas alguns segundos a destruir tudo o que fora construído. O amor era um fio de esperança, um positivismo cego e sabia tão bem. Mas o medo era uma força paralisante e tortuosa, era o rastilho do desespero e quebrava qualquer feitiço sobre o qual o amor nos colocava. Viver com amor é fácil, talvez o mais difícil seja saber que um dia o podemos perder. É irónico que o lado mau e difícil do amor seja precisamente o medo. Quanto ao medo é excruciante viver com ele, eu diria talvez impossível. A título de exemplo consigo apenas pensar em mim. O medo que sinto já afetou todas as áreas da minha vida, a minha saúde, sono, humor, controlo, mente. O medo que sentia era incrivelmente desgastante e já não sabia o que fazer para melhorar a minha condição. A qualquer momento surgiam na minha mente imagens horríveis, objetificando os meus medos mais irracionais, mais reais, mais aleatórios ou concretos, sobre mim ou sobre os outros, nos seus variadíssimos cenários. Sentia-me dominada pelo medo e pelo seu exército que marchava na minha direção ameaçando levar a melhor de mim. Sentia medo da possibilidade de não voltar a ver a minha mãe, de não ser digna de subir ao céu e essa hipótese era avassaladora. Sentia medo que Chris se cansasse de lutar por mim, que me deixasse ou que já não me amasse e a forma como ele andava cabisbaixo apenas corroborava esse medo. Não conseguia imaginar-me a viver sem Chris, muito menos agora, que tanto preciso dele. Tinha medo que a minha atitude afastasse as pessoas de quem tanto gosto e a possibilidade de me imaginar sozinha era ainda mais assustadora. Tinha medo que o pai sucumbisse ao seu cancro, deixando-me na terra para criar uma família sem um pai e uma mãe que me criem a mim. Eu gostava de cuidar, mas não tinha quem cuidasse de mim porque tinha afastado todas as pessoas, Chris ia deixar-me, Peter estava chateado comigo e a mãe já não estava cá. Não posso perder o meu pai, jamais aguentaria. Tinha medo que outra tragédia atingisse a nossa família. Não sabia ao certo de que tragédia teria mais medo, mas qualquer uma parecia demasiado para aquilo que me sentia capaz de ultrapassar ou sentir. Já tinha sofrido o suficiente, não? Tinha tanto medo do que pudesse vir a seguir. Tinha medo do facto de que os agentes da polícia me tivessem dado alguma esperança de um final feliz. Se o desfecho fosse negativo jamais resistiria e a esperança que me tinha sido dada fora dada em conjunto com o medo de não passar de uma mera ilusão. Essa desilusão seria demais para mim. Tinha, especialmente, medo de os meus irmãos nunca mais voltarem. Tinha medo que morressem às mãos de quem seja que os tem. Tinha medo que fossem torturados ou magoados. Tinha medo que adivinhassem a sua morte e que sentissem medo antes da derradeira hora final. Tinha medo que se vissem morrer um ao outro. Ao mesmo tempo, tinha medo que fossem separados e tivessem medo de estar ou morrer sozinhos. Tinha medo de qualquer coisa que pudesse acontecer. Incrivelmente não tinha medo de morrer, mas sentia medo que as pessoas que deixaria para trás não tivessem quem cuidasse delas. Quem cuidaria de Mr. Spike? Quem cuidaria do pai? Quem trataria do funeral das crianças? Quem arranjaria o dinheiro para o fazer?

Em busca da felicidadeOnde histórias criam vida. Descubra agora