"Seth"

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O livro de Marc Levy permanecia intacto na minha mezinha de cabeceira. Já era tempo de pegar nele e ler uns capítulos, no mínimo para passar o tempo. Estes últimos dias temos ficado em casa. Compreensível, penso eu. No entanto hoje, à meia-noite em ponto, vamos gritar "Feliz 2016" e abrir uma garrafa de champanhe para festejar o ano novo. A passagem de ano acontecia sempre na nossa casa. Apenas nós: eu, o pai e os meus irmãos. Obviamente, este ano, tínhamos uma convidada, indesejada, mas que, mesmo que tentasse, não conseguiria estragar aquele momento. A passagem de ano sempre foi uma festa (se é que se pode chamar festa) de que sempre gostei. À meia noite escrevíamos todos em papéis coloridos o que desejávamos que o próximo ano nos trouxesse e, mais tarde, atávamos as mensagens aos balões e deixávamo-los ir, ao vento, através do céu escuro e estrelado. Depois rezávamos: pela mãe e por todas as pessoas que estivessem a ultrapassar momentos difíceis.

Mr. Spike estava bastante melhor mas, de uma maneira ou de outra, ele não pode passar o ano novo connosco porque a Jordyn é alérgica, e o pai leva essa alergia muito a sério.

Para variar, acordei bastante cedo. Mas acordei satisfeita com a minha noite de sono. Ninguém chorou ou teve pesadelos, não acordei com barulhos estranhos, os cães da vizinhança não ladraram e o vento colaborou, não uivando incessantemente na janela do quarto. Olhei pelo espelho. Ainda com os olhos semiabertos, vi uma rapariga loira e magra com um grande sorriso na cara. Pensei, "este dia tem tudo para ser bom" e caminhei até à cozinha. Abri o frigorífico, na tentativa de tirar um pacote de leite. Perto do leite estava uma embalagem de queijo que, acidentalmente, deixei cair. Agachei-me cuidadosamente para o apanhar e não pude deixar de reparar, mais uma vez, num papel bem dobrado e escondido ao lado do frigorífico. Peguei nele, abri-o atentamente, na tentativa de não o rasgar. Mais uma vez continha apenas uma única palavra, "Seth". Guardei o papel no bolso do robe e preparei rapidamente o pequeno-almoço. Não esperei para comer. Fui diretamente para o quarto, iniciei o computador e pesquisei a palavra "Seth".

"Set ou Seth é o deus egípcio da violência, da traição, do ciúme, da inveja, do deserto, da guerra, da escuridão, das tempestades, dos animais e serpentes. Set era encarnação do espírito do mal e irmão de Osíris."

Da primeira vez, as palavras chave eram doença e vingança, porém desta vez, havia várias palavras que chamavam à atenção. Violência, traição, ciúme, inveja, guerra, escuridão, tempestade... O meu coração batia agora a mil. O que teria Spencer descoberto que desejava que alguém soubesse?

Spencer era uma criança inteligente. Se ele se sentisse ameaçado iria querer que, de uma maneira ou de outra, alguém descobrisse o que ele descobrira sem levantar suspeitas. Peguei numa folha branca e numa caneta preta e comecei a fazer um esquema. "Doença" poderia significar o cancro pelo qual o pai estava a passar, talvez Spencer já o tivesse descoberto. "Vingança" poderia estar relacionado com o passado de Jordyn, talvez Spencer soubesse. Talvez Jordyn se tivesse desleixado e ele a tivesse visto ou apanhado. Mas se Jordyn suspeitasse que alguém sabia da sua história teria fugido ou tentado impedir essa pessoa de falar. Não me decidi sobre o que poderia significar a palavra "vingança" por isso avancei. "Violência" é uma palavra forte. Teria ele sido vítima de violência na escola? Não, as férias haviam começado há duas semanas. Poderia significar o envenenamento de Mr. Spike. "Traição". Sentir-se-ia ele traído por alguém? Eu não tinha qualquer maneira de saber a não ser que lhe perguntasse diretamente. "Ciúme", "inveja" poderia ter a ver com alguma coisa relacionada com os irmãos. Poderia sentir que não lhe davam o devido valor ou que o deixavam de lado. Não acreditei que tal coisa pudesse ser possível. Todos nós eramos iguais aos olhos do pai e amávamo-nos mutuamente. "Guerra". Seria possível? Estaria uma guerra prestes a começar? Gostava tanto de saber o que Spencer sabia mas estava com medo de admitir. Fechei o computador. Dobrei a folha branca, agora toda riscada, e guardei-a na gaveta das meias. Estava na altura de contar a Peter.

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