Frágil

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Uma réstia da energia positiva do dia anterior foi o que restou quando abri os olhos de manhã. Sentia-me envolvida numa total melancolia que me impedia de funcionar ao meu ritmo habitual. Cada ação parecia ser realizada em câmara lenta e o meu cérebro esforçava-se por funcionar com a bateria em baixo. Como sempre acontecia, tinha-me levantado cedo demais para ter companhia com quem falar. Às seis e meia da manhã estavam todos a dormir profundamente e a casa mergulhada num completo silêncio.

Vesti-me devagar, sem pressas e sem nada para fazer. Para fazer tempo decidi abrir os cortinados, abrir as grandes janelas de vidro brilhante e entrar na varanda para respirar ar puro. Sabia que tinha de cuidar de mim e da minha saúde e também tinha dado nas aulas de biologia a importância do ar puro e da água. Decidi dar um passeio pelo vasto jardim da mansão na tentativa de me acordar daquele estado melancólico e abatido.

Com pés de lã, atravessei toda a mansão em silêncio e saí pela porta de vidro das traseiras. Já tinha dado um passeio com Chris por toda a propriedade dos Mattews mas agora sozinha tinha medo de me perder. De qualquer forma decidi avançar pela esquerda em direção aos pinheiros altos e antigos que ficavam perto do lago. Fui avançando lentamente sobre a relva húmida do orvalho e tirando fotografias mentais a cada ser, flor e cor que fui capaz de captar.

Toda aquela natureza e tranquilidade fizeram-me lembrar a mãe. Quando era viva, costumava levar-nos a fazer picnics no cume da montanha ou a passear abeira mar, mesmo que para isso tivesse de fazer longas viagens de carro. A mamã dizia sempre que não havia nada mais tranquilizante e relaxante do que um bom passeio pela natureza e que devíamos tratar do planeta, das plantas e dos animais. A Marian gostava das paisagens, mas o Spencer era um verdadeiro apaixonado pelo conhecimento. Costumava fazer as perguntas mais rebuscadas aos pais, deixando-os a gaguejar e acabando com uma promessa de que lhe ofereceriam um livro sobre o assunto. O Spencer não se contentava apenas com observar as coisas, ele queria saber tudo sobre elas, era o que os meninos na escola chamam de sabichão. Corrine, infelizmente, já não teve essa sorte. Já não teve os domingos de viagens em família, as idas ao jardim zoológico, as viagens ao parque aquático, os picnics, os jogos, os filmes... Ela já não teve a sorte de conhecer a mamã e, como se isso não fosse já mau o suficiente, não fazia ideia onde ela e o meu querido irmão estavam.

Tentei abafar esses pensamentos tentando à força concentrar-me nos movimentos da água do lago. Os peixinhos tímidos pareciam de vez em quando para colocar a boca fora de água, mas depressa desapareciam novamente na escuridão das profundezas. E escura ficou a minha vida quando Jordyn apareceu nela. Devia ter prestado atenção ao meu instinto, aquele sentimento corrosivo que me dizia que algo nela não estava certo. Como fui capaz de ignorar todos os pequenos sinais que me foi dando de que as suas intenções não eram genuínas? Se tivesse feito algo no princípio deste pesadelo, talvez fosse capaz de evitar este desfecho. Se a tivesse confrontado talvez a tivesse afugentado. Mas iria o pai acreditar em mim? Na minha intuição? Teria assustado Jordyn? Teria evitado que as crianças fossem levadas por um homem misterioso? Agora era tarde para saber. O mal estava feito e teria de viver o resto da minha vida sabendo que não fiz o suficiente, não protegi a minha família, não dei ouvidos ao meu mau pressentimento.

Uma lágrima escorreu pela minha cara gelada do ar da manhã e caiu no lago provocando uma oscilação que se propagou. Apercebi-me que estava parada na beira do lago há algum tempo pelo que prossegui a minha marcha esforçando-me por não pensar no que podia ter feito. Atravessei o campo de golfe a passo moderado, limpando as lágrimas que teimavam em cair. Cortei o campo de basebol sem prestar grande atenção e segui em direção à cabana. A cabana ficava numa grande clareira repleta das mais variadas arvores de fruto e onde a família Mattews fazia todos os anos acampamentos e serões noturnos à volta da lareira. Tentei imaginar o quão mágico seria fazer marshmellos com toda a minha família e amigos ao som da noite e iluminados pela luz da lua.

Em busca da felicidadeOnde histórias criam vida. Descubra agora