Flor Branca

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O pai estava ali, sentado na mesa da sala com uns papeis na mão, de óculos sobre o nariz e com a caneca de café pousada na beira da mesa. Aproximei-me em silêncio, puxei uma cadeira e sentei-me a seu lado.

-Bom dia pai! -disse-lhe. E antes que tivesse tempo de responder, prossegui. -Temos de falar.

-Está bem, diz lá de que se trata. -respondeu-me, pousando os papéis e virando o tronco na minha direção.

-Pai, vou ser muito direta. Eu estou muito preocupada, contigo e connosco. O que vai ser de nós? –fiz uma pausa breve e respirei fundo. –Por favor, explica-me o porquê de estares tão ausente. Fala comigo, nós nunca tivemos segredos. Sempre fui a filhinha do papá e agora nós mal nos vemos. Por favor!

-Bem, está na hora de te dizer... -o pai parou por um segundo e amarrou-me pelas mãos. –Tudo estava a correr na perfeição, eu estava feliz por voltar a casar e por estar de volta a casa por alguns meses, até que... Até que fui ao hospital, a uma consulta de rotina, sabes? E... E as análises que eu fiz, comprovaram que eu tinha um tumor. Sophy, eu tenho cancro no estômago. Eu comecei a fazer quimioterapia logo que descobri e não vos contei porque... Não vos contei porque tinha receio que pensassem que me iam perder como perderam a vossa mãe. Eu lamento imenso. Sophy, perdoa-me.

Uma lágrima escorreu lentamente pela minha cara, contornou o meu nariz e foi cair nas minhas calças, deixando uma pequena marca.

O pai largou-me as mãos, aproximou-se e abraçou-me. Encostando a cara ao meu ouvido sussurrou: "Está tudo bem!". E eu, fechei os olhos, perdendo-me completamente no escuro. Passaram-se alguns minutos. Não sei quantos, perdi-lhes a conta. O pai largou-me finalmente. Limpei a cara, ergui a cabeça e sorri.

-Então e agora? –perguntei-lhe confiante.

-Agora esperamos! E não contamos nada às crianças. –respondeu-me.

-E a Jordyn? E o Peter? –perguntei-lhe confusa. –Eu não posso mentir ao Peter.

-A Jordyn já sabe, ela tem-me levado e ido buscar, porque fico bastante fraco. Se queres proteger o Peter, não lhe contes. Mas eu sei que são muito chegados e não vais conseguir esconder-lhe isto por muito tempo, por isso, certifica-te só que ele fica bem.

-Quando é que o Peter não fica bem? –disse e sorri-lhe.

Como é que era suposto eu lidar com tudo isto? O meu pai estava a morrer e apesar de ele estar positivo, a verdade era que ele estava a morrer. O que será de nós? Como serei capaz de criar os meus irmãos sem qualquer ajuda de um adulto? Eu consigo. Repeti comigo e para mim "Eu consigo!". Seria o cancro a razão pela qual Jordyn queria antecipar o casamento? Uma incerteza invadiu-me os pensamentos. Estaria Jordyn com medo de perder o pai ou o dinheiro? O oxigénio parecia já não chegar mais ao meu cérebro. Mais do que nunca estava a precisar de apanhar ar fresco e espairecer. Fui ao quarto, peguei na carteira, tirei umas moedas. Chamei um táxi e, sem dizer nada a ninguém, fui até ao cimo da montanha.

As horas foram passando e a fresca brisa da montanha que fazia esvoaçar os meus longos cabelos louros começou agora a regelar-me os ossos e a fazer-me estremecer. Voltei a fazer o caminho em terra batida até à estrada nacional, que me levava de novo à cidade e onde podia apanhar novamente o táxi. O caminho era estreito, coberto de pedras e a toda a volta viam-se árvores e arbustos verdes selvagens. E ali, entre duas grandes pedras, nascia uma flor branca selvagem e lindíssima. A flor mais apetecível que alguma vez tinha visto! A tentação de a levar para casa comigo foi muita e, depois de muito vacilar segui caminho e deixei-a ali a crescer entre duas rochas. Nesse momento percebi que se uma pequena flor sobrevive e se desenvolve entre dois rochedos, também uma criança aprende a sobreviver e a desenvolver-se sem a mãe e o pai. A natureza é uma coisa extraordinária. É bonita, pura, inexplicável e imprevisível. Assim como as crianças. Se alguma coisa acontecer nós estaremos preparados e, se não estivermos nós arranjaremos uma solução. Pensei melhor e reformulei o meu pensamento. Quando alguma coisa acontecer nós estaremos preparados e caso não estejamos nós arranjaremos uma forma de sobreviver.

Estava agora dentro do táxi, a caminho de casa. Na minha mente tinha o discurso perfeito para dizer a Peter, porque ele merecia saber a verdade. Na minha cabeça ecoavam as últimas palavras que o pai me tinha dito. "certifica-te só que ele fica bem." e depois o pensamento "Sophy não podes fazer asneira". Num ápice estava à porta de casa a tentar arranjar coragem para entrar. Eram 16:00h, eu não tinha almoçado e a essa hora Peter já estaria em casa. Abri a porta, pousei a carteira no hall de entrada e fui até à sala. Peter brincava divertido com as crianças um jogo de tabuleiro, no qual a ideia era comportar-se como outra coisa qualquer e esperar que os outros adivinhem só depois de adivinharem o deles. Não fui capaz de estragar a brincadeira. Fui para o quarto, peguei no livro e deitei-me na cama a ler. À hora do lanche Peter veio chamar-me para comer torradas com doce de morango e beber chá de camomila acabado de fazer.

Fui para a cama bastante cedo. Não porque tinha sono, não porque queria evitar toda a gente mas porque estava emocionalmente cansada. No entanto, adormecer era uma tarefa difícil e o som das crianças a rir na sala não ajudava em nada. Peter apareceu minutos mais tarde para saber se eu estava bem e não consegui conter-me por mais tempo.

-Peter, antes que tenhas qualquer reação, quero que saibas que fiz um discurso mesmo querido na tentativa de não te magoar, mas a verdade é que não há maneira de dizer isto de uma forma subtil e sem te magoar, por isso eu vou dizer de uma vez. Não te dizer está a matar-me por dentro. –parei para respirar. Peter estava a olhar para mim com uma cara de pura preocupação. –Certamente lembras-te da nossa conversa de ontem. –Peter abanou a cabeça afirmamente. Prossegui.

«Eu fui falar com o pai e a verdade é que ele tem cancro no estômago. Eu lamento imenso Peter, sei que custa ouvir isto mas tu tinhas de saber! O que vamos nós fazer?

Peter não pronunciou uma única palavra, pegou no casaco, vestiu-o e agarrou nas suas chaves de casa.

-Onde vais? –perguntei-lhe levantando a sobrancelha esquerda.

-Vou inscrever-me na escola de condução. Temos de fazer alguma coisa, amanhã ele pode já cá não estar. –Peter saiu, fechando a porta atrás de si. De todas as possíveis reações esta era a que menos estava a espera. Nem uma lágrima, nem uma hesitação, nem uma pergunta. Peter finalmente assumira que teria de ser o pai que as crianças podiam perder a qualquer momento, caso a medicina por algum motivo não resultasse. Para ser sincera, nem eu estava positiva. É um cancro complicado e o pai não o descobriu no início. Mas porque é que ele não reparou mais cedo? Havia tantas perguntas às quais eu queria respostas e não sabia onde as encontrar. Eu precisava de ver Chris...

A noite passou mais rápido do que pensei e quando abri os olhos de manhã, o cansaço não tinha passado e a vontade de dormir era ainda muita. Olhei para o lado, a cama estava feita e Peter já lá não estava. Vesti-me rapidamente. Peguei no telemóvel e liguei a Chris. Saí de casa logo de seguida.

O táxi foi por um caminho diferente do que estava habituada. No entanto muito mais perto e sem tanto movimento. Um acidente pelo caminho obrigou-me a ficar mais de quinze minutos numa fila de trânsito em para-arranca. Graças a Deus tinha os auscultadores no bolso do casaco. O táxi parou mesmo em frente da grande mansão da família Mclver. Aproximei-me do portão e toquei à campainha. A voz de Mr. Malcom fez-se soar. "Quem é?"

-É a Sophy, sou amiga da Megan e do Chris. Ele está?

"Está com certeza. Vou abrir o portão.", foi a resposta.

O portão abriu-se de imediato e eu entrei, seguindo o caminho dos carros com flores coloridas de ambos os lados. Cheguei à entrada da casa. Aproximei-me da porta e, sem hesitar bati com força. A porta abriu-se um minuto após eu ter batido.

-Olá! O que fazes aqui? –disse Chris, quando me viu.

-Posso entrar? –sorri.

-Claro, entra! Que surpresa, não estava à tua espera. Que fazes por aqui? –disse Chris feliz e atrapalhado ao mesmo tempo.

-Espero não estar a atrapalhar nada!

-Não, de maneira nenhuma. –foi a resposta que obtive.

Entrei no maravilhoso hall de entrada da casa de Mr. e Mrs. Mclver e Chris fechou a porta atrás de mim. Estava novamente em casa de Chris. Sentia-me em casa...



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