Reflexões

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Acordei cedo com uma dor de cabeça horrível. Ao meu lado Chris dormia profundamente ainda vestido com as roupas do dia anterior. Não o acordei, vesti-me o mais silenciosamente que me foi possível e saí para ir dar uma volta pelo jardim. Como já era comum em mim, tinha-me levantado bastante cedo e os restantes moradores da casa estavam ainda a dormir. Aproveitei o momento para espairecer livre de sons, emoções e interações sociais.

Não sabia o que me reservava a vida agora que já não tinha a venda de garagem ou as idas à esquadra ou nem tão pouco a escola, que eu havia abandonado para passar para um regime de homeschooling. Claro está que com a vida que levava eu não fazia nada em casa, era como se não existisse escola para mim.

*

Estar ocupada poderia ser algo cansativo e frustrante para outra pessoa, mas não para mim. Estar ocupada significava não ter tempo para enveredar em pensamentos dolorosos e repetitivos. Permitia-me distrair-me, o que em certos momentos era mais do que eu podia pedir. Agora que a venda de garagem tinha passado (e tinha corrido bem melhor do que poderia imaginar) vi-me com demasiado tempo disponível. Os dias pareciam infinitos e custavam a passar. Não havia nada para fazer, ninguém de quem cuidar, nada que requeri-se o meu tempo ou esforço ou atenção. Sobrava apenas eu e os meus pensamentos.

A minha mente não estava habituada ao silêncio e à disponibilidade. Toda a energia que havia em mim não era suficiente para travar os pensamentos destrutivos e cíclicos que me invadiam e que causavam inevitavelmente tanto sofrimento. Uma mera observação ou um pequeno objeto eram o suficiente para iniciar uma sequência de pensamentos ruminativos que desgastavam a minha alma. Tornava-se impossível desligar a minha mente que gritava insistentemente as coisas mais atrozes e dolorosas que alguma vez tinha ouvido. Como poderia ser que as piores coisas que já me tinham dito vinham da minha própria mente? Não estava certo, não é a ordem natural das coisas. Tinha-me tornado o meu pior inimigo.

Os minutos do meu dia eram passados numa constante tentativa de fugir de mim própria, ou melhor, dos meus pensamentos. Eram distrativos e agonizantes e pareciam nunca querer parar ou nem tão pouco abrandar.

Os temas com os quais era torturada mantinham-se relativamente constantes. Tudo iniciava com o primeiro trauma com que tive de lidar, a morte inesperada da mãe. Custava-me pensar que a última vez que tinha visto a minha mãe tinha sido há cerca de 4 anos e tornava-se excruciante imaginar que a última vez que a vira estava nove meses grávida da Corrine. Normalmente o meu cérebro apresentava mecanismos que me permitiam não pensar nas questões mais duras relativamente à sua morte, mas todos esses mecanismos pareciam ter-se perdido algures na confusão. Agora valia tudo; não havia limites do que podia ou não surgir na minha mente e o objetivo parecia ser magoar sempre mais do que o pensamento anterior. Quase como se o meu cérebro estivesse em guerra contra o meu coração ou talvez contra mim.

A minha mãe e a minha irmã mais nova Corrine nunca se tinham conhecido. A mãe nunca tinha tido o prazer de segurar nos seus braços a bebé a quem deu vida. Corrine nunca tinha visto o rosto lindo da mãe, nunca tinha ouvido a sua voz ou abraçado o seu pescoço. A mãe e a Corrine nunca estavam ambas na mesma fotografia a não ser naquelas em que a mãe estava ainda grávida da Corrine. A mãe tinha dado tudo, incluindo a sua vida, para dar vida à sua última filha a quem amava com o amor mais puro e incondicional que alguma vez surgiu. O quão altruísta se pode ser? Haverá algo mais valioso para se dar que não a própria vida? A minha mãe tinha lutado e quando não lhe foi possível lutar mais decidiu (talvez de forma egoísta porque eu precisava dela) dar a sua vida à Corrine. Agora a Corrine vivia com um pedaço da mãe dentro dela, a mãe que nunca teve oportunidade de conhecer. A Corrine era muito parecida com a mãe, mas não tanto quanto eu. Mas tinha em si a vida que a mãe lhe deu e agora essa vida, esse último pedaço da mãe, tinha-nos sido retirado.

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