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Não vi Carnaval nenhum em Nápoles. Jean-Marie mostrou-se bastante agitado no telefonema que lhe fiz na segunda-feira à noite, quando só estavam Claudia e as mulheres em casa, Diego tinha voltado a sair, e lhe disse que a viagem fora marcada para a manhã do dia seguinte, a terça-feira do Entrudo. Ele esperava ter-me na sua casa ainda naquele dia e vendo frustrada a sua ideia foi um pouco brusco comigo. Pediu-me desculpa a seguir, tornou-se lacónico e num tom seco disse-me que estaria no aeródromo para me receber à hora estimada de chegada. Desligámos e eu só queria desaparecer.

As minhas relações com os meus amigos argentino e belga estavam péssimas, era esse o meu entendimento. Depois da partida de ténis comi um lanche reforçado que teve qualquer coisa de jantar pelo meio. Voltaram a relegar-me para junto das mulheres, Diego recebia os seus amigos e os dois grupos não se misturavam. De vez em quando aconteciam algumas interseções, como na matemática. Os dois círculos justapunham-se numa área que eu costumava escurecer com o lápis ou com a esferográfica para depois fazer uma pequena seta e calcular a sua área por meio da fórmula adequada. Mas, como frágeis bolas de sabão, as esferas afastavam-se ao mínimo toque. Os homens ficavam de um lado, as mulheres do outro e eu pertencia à parte feminina do mundo.

Aborreci-me, dormitei, conversei um pouco sobre como tinha corrido o ténis, riram-se muito porque Diego adorava esforçar os seus adversários até praticamente ao desmaio. O meu sorriso foi amarelo.

Uma vez fui à casa-de-banho e vi-o na sala, a falar alto, a contar qualquer coisa engraçada, uma anedota talvez, fazia os outros darem grandes gargalhadas. Não me viu. Quando passei no caminho de volta, já Diego os levara a todos para a piscina. Tinha-me prometido fotografias nesse lugar, mas naquela fase tive vergonha de lembrá-lo dessa promessa. Aliás, ele tinha a tendência para se esquecer das promessas que fazia, nem sequer se lembrava do que me tinha dito no aeroporto da Cidade do México quando nos despedimos, para sempre, do mundial e do meu verão dos sonhos.

À noite, enchi-me de coragem e disse a Claudia:

– Quero ir-me embora.

Julguei que ela se fosse espantar, que me fosse implorar para ficar até ao fim da semana, que me fizesse o convite para ver o Carnaval na cidade, que me apresentasse uma série de opções interessantes para conhecer melhor Nápoles e os seus arredores, que se lembrasse que eu gostava de História e que um dos meus mais fervorosos desejos era visitar as ruínas de Pompeia. Mas não. Chamou por Maria e pediu-lhe que tratasse da minha viagem, não sabia onde estava Diego, nunca podia contar com Diego quando precisava dele e abriu uma torrente de queixas contra o marido. Contra o namorado. Contra o que quer que ele era a ela, não sabia muito bem classificar tudo o que escapava ao mundo que tinham organizado para mim, os conceitos todos estanques.

A Maria foi bastante eficiente. Passada uma meia hora de ter manifestado que queria ir-me embora anunciou-me que teria de estar despachada para sair de casa, no dia seguinte, às oito da manhã. O voo seria às nove e o Carmando voltaria a ser o meu acompanhante. Aceitei tudo com uma impressão de amargura, de desprezo. Sem Diego, Nápoles não fazia muito sentido para mim.

Deitei-me cedo porque tinha de me levantar cedo. Dormi muito mal, sempre às voltas, o colchão parecia ter-se transformado em pedra dura. Por volta das seis e meia da manhã já estava a pé, a arrumar a minha mochila. Ao agarrar na pequena boneca mexicana chorei silenciosamente, deixando as grossas lágrimas quentes deslizarem pelas faces geladas. Maldito Diego! Maldito... sempre me tinha feito chorar.

Um pouco antes das oito da manhã começou a cheirar-me a café dentro de casa. Resolvi deixar o quarto onde vira o dia nascer através da janela que foi clareando, à medida que o Sol subia no horizonte. Deixei tudo arrumado, a cama feita, levava comigo a roupa suja. Fechei a porta devagar para não incomodar o sono dos que dormiam nos outros quartos.

Aqueles Dias de MaravilhaOnde histórias criam vida. Descubra agora