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Sentei-me pela primeira vez na zona especial do estádio San Paolo que acolhia os espetadores ilustres dos jogos, a bancada onde também se sentava o presidente Ferlaino e demais dirigentes, as suas famílias e acompanhantes. Era uma zona renovada que ainda estava a ser finalizada por causa do mundial, mas já apresentava comodidades que todos apreciavam com uma admiração genuína porque, de algum modo, faziam parte da elite que contribuía para as melhorias e sentiam-se orgulhosos das suas benfeitorias.

Eu usufruía, por associação, dos privilégios. Tinha vindo com a comitiva de Maradona que o empresário Guillermo Cóppola liderava como um autêntico mestre-de-cerimónias, untuoso e deslumbrado, procurando acomodar todos com o maior dos confortos. Dava especial atenção aos pais de Diego que tratava como reis veneráveis, mas eu preferia, verdade fosse dita, estar com o povo, com os adeptos que fervilhavam nas arquibancadas numa festa ininterrupta e mirífica, que acontecia havia já uma semana desde que o Milan tinha escorregado em Verona e consentido uma derrota que praticamente entregara o segundo scudetto ao Napoli.

Bastava um empate, mas o Napoli queria ganhar, palavras de Diego, e eu era da mesma opinião. O título seria festejado com outro sabor se acontecesse uma vitória, no último jogo, na última jornada, a fechar o campeonato.

Sentava-me num lugar discreto da secção reservada, numa franja que era ocupada por aqueles com ligações mais ténues às pessoas importantes que assistiam ao jogo. Uma amiga de terceira ou quarta linha, mas não me importava com a invisibilidade. Acolhia-a de bom grado naquele ambiente de tempestade azul que permeava o estádio como um maremoto imparável, como uma inesperada erupção vesuviana que tudo varria e tudo coloria. Os ultras, em conjunto com as demais claques napolitanas, apresentavam uma panóplia variada de manifestações de apoio. As bandeiras eram as mais vistosas, devido ao seu tamanho descomunal, panos com diversas figuras, efígies e palavras de apoio, presas em hastes flexíveis que braços incansáveis agitavam. Depois, havia os tambores que ecoavam ensurdecedores, as faixas que declamavam frases espirituosas a recordar que Nápoles era uma cidade de poetas e de orações. A que gostei mais foi uma que dizia em dialeto, "O primeiro amor é muito bonito, mas o segundo é-o ainda mais", numa clara alusão à fantasia prometida pelo segundo scudetto.

A tal canção tradicional napolitana do soldado, O surdatto 'nnammurato, que fora adotada como hino do clube, brotou de milhares de gargantas num momento arrepiante que me deixou os olhos rasos de lágrimas e um peso bom no peito. Também eu cantei, ou fingi cantar, as palavras que me eram mais reconhecíveis do coro. Oh vida minha, oh coração do meu coração, tu és o meu primeiro amor... e pensava em Diego. Foram acendidas tochas que lançaram nuvens de fumo tricolores, verde, branco e vermelho, as cores de Itália, as cores do escudo que representavam o famoso scudetto que se cosia, depois de conquistado, na camisola do clube ao lado do símbolo.

Os jogadores entraram em campo debaixo de uma chuva de aplausos e de um grito jubiloso que estrondeou pelo ar como a trovoada provocada pelo próprio Júpiter. Vinham acompanhados dos filhos. Todos apareceram com a sua prole, bebés e crianças mais crescidas, até Ferrara não se coibira de alinhar na iniciativa e carregava, cauteloso, o seu filho recém-nascido. Diego levava Dalma e Giannina em cada braço, Claudia e depois Signorini seguiram-no para acautelarem qualquer situação. A mais nova, pobrezinha, desatou num berreiro medonho, esperneava e esticava os bracinhos para se escapar da confusão que rodeava o pai e Diego entregou-a a Signorini, que imediatamente a deixou com Claudia que regressou ao túnel dos balneários. Dalma, com três anos feitos no início de abril, aguentou-se muito bem. Rodava a cabeça de um lado para o outro, esperta e curiosa, mas nem por um segundo se intimidou com as aclamações que celebravam o seu papá famoso e a equipa do Napoli.

Aqueles Dias de MaravilhaOnde histórias criam vida. Descubra agora