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A minha mãe descobriu que eu tomava a pílula e fez um enorme escândalo. Agarrou-me pelo braço, sacudiu-me, empurrou-me as caixas do medicamento, que encontrara na gaveta da minha mesa-de-cabeceira, contra a cara. Julguei que mas fosse esfregar no nariz, na boca, na testa até fazer sangue de tão furiosa que estava.

– Andas a dormir com quem? Estás a tomar a pílula para andares a dormir com quem? – sibilou.

Tive vontade de contar-lhe a verdade. Ando a dormir com Diego Maradona! E devias estar contente, porque se não fosse pelo pequeno comprimido mágico estaria grávida nesta altura, que ele não toma cuidado nenhum, nem quer saber se eu estou protegida! Mas isso haveria de incendiar ainda mais o humor da minha mãe e contive-me. Então, contei a outra verdade, porque era uma das razões porque começara a tomar a pílula. Primeiro esperei que ela se acalmasse um pouco e parasse de me sacudir como se eu fosse um trapo velho. Quando achei que a sua fúria atingira um nível aceitável que me iria permitir falar e ser ouvida, disse:

– Estou a tomar a pílula para controlar o meu período e evitar ter tantas dores de barriga. A pílula ajuda-me muito. Nunca mais sofri os horrores que costumava sofrer... Não que isso te importasse. Alguma vez me deste um analgésico para suportar melhor os inconvenientes da menstruação? Não, nunca me deste. Então, andei a informar-me junto das minhas colegas e algumas já tomam a pílula há algum tempo, porque as mães delas as levaram ao médico que prescreveram o medicamento com fins hormonais. Fui ao médico que me fez um exame e depois me passou a receita. Está tudo bem comigo, se é que queres saber.

Dei a minha explicação num tom calmo, sem colocar ênfase nesta ou naquela palavra, mas a crítica era implícita. Vi a minha mãe empalidecer, arreganhar os dentes como se me fosse morder. Voltou a sacudir-me e perguntou-me:

– Foste ao Porto naquela excursão. Com quem estiveste? Estiveste com o Adriano?

Não tinha acreditado em mim, era de esperar. Talvez nem considerasse como verdadeiro aquilo que lhe contei sobre os efeitos da pílula na menstruação, sabia lá se a minha mãe usava esse método contracetivo, não falávamos sobre essas coisas, mas era facto que acontecia assim. Desde que começara a tomá-la que a minha menstruação deixara de ser um sarilho e uma pequena morte todos os meses. Mesmo que não mantivesse uma vida sexual ativa, nem estava interessada em mantê-la quando o meu companheiro era apenas um e estava longe, continuei a cumprir a toma, porque me fazia sentir bem, fresca, saudável e menos revoltada contra o castigo feminino a que chamávamos eufemisticamente período.

Mantive-me estoicamente firme e respondi:

– Não estive com rapaz nenhum.

– Tomas a pílula, podes estar com quem quiseres.

– Olha... pois posso – ironizei. Repeti: – Mas não estive.

– E o Adriano?

– O que é que tem o Adriano? Esquece o Adriano, nunca me interessei por ele, ele é que andava atrás de mim e isso já terminou. O Adriano tem namorada. Podes soltar-me? Estás a aleijar-me o braço e sem motivo nenhum.

A minha mãe deu um último apertão e depois concedeu em largar-me. Devolveu-me as caixas amachucadas, espetou-me um dedo na cara, cresceu sobre mim e ameaçou-me:

– Se eu sei que andas por aí a fazer poucas vergonhas, dou-te uma tareia tão grande que nem vais saber como te chamas, Cristina! Não admito que te andes a desgraçar com um qualquer. Bom, pelo menos, grávida não ficas. Mas ai de ti, se me chegar aos ouvidos que andas a rodar pelos rapazes da cidade. Ai de ti!

– Vem comigo ao médico e podes comprovar que está tudo inteiro comigo e que não ando a fazer essas poucas vergonhas que imaginas – desafiei.

Aqueles Dias de MaravilhaOnde histórias criam vida. Descubra agora