47.

17 4 13
                                    


Os três anos do ensino secundário seriam numa escola diferente. Matriculei-me num curso profissionalizante. Gostei da propaganda do professor que nos estava a auxiliar com as escolhas que determinariam, enfatizou muito sério, a nossa profissão e a nossa vida futura, gostei do entusiasmo da Monique que viera com a mãe e que já sabia ao que vinha. Ela tinha estudado tudo sobre as opções disponíveis e decidira-se por aquela, também por sugestão da mãe. Um curso profissionalizante atribuía um diploma, tinha uma carga letiva superior a um curso da via ensino e o último ano não era à noite, como acontecia com o décimo segundo ano. Aterrorizava-me a ideia de ir para a escola à noite.

Cumpria a promessa de fazer a matrícula com a Monique. No fim, foi ela que me ajudou mais do que eu a amparei. Ao chegar à escola não fazia a mínima ideia da importância do que ia fazer ali. À saída despedimo-nos para as férias do verão e fui sincera no agradecimento que lhe fiz.

O meu curso nos próximos três anos seria na área da contabilidade e da gestão, seguindo o que já tinha definido no nono ano ao ter escolhido economia. A tia Anita iria ficar muito desiludida comigo quando soubesse que desistia da História em prol das ciências empresariais. Pensei muito nisso no caminho que fiz para casa, a pé, debaixo de um calor abrasador. Se por um lado sentia-me como uma fraude, desde que me conhecia que afirmava que a minha paixão era a História, a arqueologia e contribuir para o conhecimento dos povos antigos, por outro convenci-me de que tomara uma decisão acertada, pragmática, que me garantia uma profissão e uma certa independência a curto prazo. Perante a eventual discussão com a tia Anita iria argumentar que na família só podia haver uma historiadora brilhante e esse papel cabia-lhe a ela.

Estava amargurada, contudo, por ter desistido dos meus sonhos, por me ter acobardado. Se fosse realmente uma pessoa coerente, voluntariosa e confiante teria escolhido a área das letras, afirmado que amava unicamente a História e enfrentado as críticas de todos, a começar pela mãe da Monique que estivera connosco para se certificar de que a filha escolhia o tal curso profissionalizante, porque precisava dela para ajudá-la na contabilidade da pequena empresa que geria com o marido. E eu, influenciável e amedrontada, escolhera o mesmo curso, só para receber os elogios da mãe da minha amiga, para me livrar da escola de uma vez por todas e para ir de férias.

Chegada a casa, tomei um duche com água quase fria, troquei de roupa, sentei-me à secretária e abri o caderno do meu diário futebolístico. Escrevi sobre a última conversa que tivera com Jean-Marie e sobre a copa América que iria começar no dia vinte e sete de junho, desejando muita sorte a Diego e à sua Argentina querida, que era também a minha Argentina querida. Respirei fundo de olhos fechados e senti-me, finalmente, de férias.

Aproveitei para dormir, descansar, comer, ver televisão, não fazer nada. O meu pai só entraria de férias em meados de julho e, naqueles quinze dias, o tempo arrastou-se tão peganhento como os dias quentes, parados e brilhantes. Recebi convites para ir à praia com a Monique, a Elizabeth e a Ana Luísa que aproveitei. Apanhei um escaldão que me roubou o descanso das noites. Gemia com a pele vermelha a arder, chorava também porque por muito que esquadrinhasse os programas tardios da televisão, não recebi uma única notícia sobre a copa América. Nem nos pequenos resumos sobre futebol e outros desportos que aconteciam no final do telejornal houve uma referência à competição. Soube depois que a Argentina ficara com um quarto lugar dececionante depois de ter perdido nas meias-finais frente ao Uruguai e na disputa dos lugares de honra frente à Colômbia. Diego falhara esse troféu, mas como eu e Jean-Marie, encontrava-se finalmente de férias.

Foram os recortes de Jean-Marie que me revelaram estes detalhes da copa América. Recebi um envelope cheio de pedaços de jornal com imagens a preto e branco e textos em alemão sublinhados a vermelho, com os nomes rodeados por linhas também vermelhas, no início de agosto. Nessa altura já tínhamos estado na nossa casa de férias na vila de Lagoa e foi uma estadia ainda mais vazia do que aquela do ano anterior. Se me sentia deprimida e farta não fazia nada para o esconder e aconteceram alguns atritos com a minha mãe que não compreendia a minha apatia.

Aqueles Dias de MaravilhaOnde histórias criam vida. Descubra agora