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Lancei-me para os braços de Diego Maradona. Escutei gargalhadas à nossa volta. Jean-Marie pigarreou e Diego afastou-se de mim para evitar uma reprimenda do belga, pois que ele o via nas minhas costas e estava mais atento do que eu às suas reações. Estaria a fazer uma carantonha para meter medo ao argentino, de certeza. E o argentino não queria provocar um incidente num dia de festa.

– Olá, Tina.

Passou uma mão pelos seus caracóis pretos, tão alvoroçados quanto o dono. Como eu adorava aquela cabeleira farta! Estava a corar e os meus olhos brilhavam. Revê-lo era como um sonho. Quase me belisquei para me certificar de que não estava a imaginar aquele reencontro. Afinal, Diego Maradona tinha sido convidado para o jogo do jubileu de Michel Platini! Como devia ser, obviamente. Ele era o melhor jogador do mundo! A minha felicidade atingiu um nível absurdo e senti-me tonta, ao ponto de quase desmaiar.

– Olá, Diego! Estás aqui!! Vais jogar também? Vais jogar pela equipa de Jean-Marie? Ah, meu Deus, meu Deus! Eu nem acredito que isto está a acontecer. Está mesmo a acontecer, não está? – disse de rajada, para enganar o cérebro com um discurso imparável e não me estatelar no chão.

– Não se diz não ao Platini quando ele nos convida para o seu jogo de despedida – explicou num tom misterioso ao qual acrescentou uma pitada de ironia. – Sim, também vou jogar pela equipa do resto do mundo. Não devia... mas vou jogar. O Platini pediu-me.

– Ah... meu Deus! – repeti. Juntei as mãos no peito. Faltava-me o ar, o ânimo, a sensatez.

Desde o seu aniversário em outubro que nunca mais tínhamos estado juntos. Fora a história do avião, depois fora o meu castigo. O tempo passara, demasiados dias, um punhado de meses, quase um ano e havia qualquer coisa de indefinido, diferente, um pouco mais pesado, um pouco mais escuro entre nós. Afastei essa impressão. Não queria macular a perfeição do momento que tinha uma pincelada de cena de filme romântico.

Eu e Diego não estávamos sozinhos, mas também as vezes em que o estávamos eram tão raras que já não me incomodava. Habituei-me à audiência, ao escrutínio daquela corte que o rodeava e que, seguramente, comentavam entre eles tudo o que viam e registavam, colando definições, defeitos e virtudes. Já Jean-Marie era um espetador novo e notava-o, na periferia da minha visão, irritado com a situação. Era a excessiva intimidade, a troça dos outros, o meu descontrolo, a arrogância de Diego. Queria proteger-me e não sabia como.

Respirei fundo para encetar uma conversa decente.

– Não devias... jogar? – perguntei. – Disseste que não devias jogar.

– Tenho estado lesionado. – Sorveu o ar pelos dentes. – A minha perna esquerda deu-me problemas nestes últimos meses. O joelho, o tornozelo... Enfim, pensava que sabias. Foi notícia por todo o lado.

– Não, não sabia.

– Tenho jogado condicionado... mas tenho jogado. É frustrante quando nos esforçamos e os resultados não aparecem, quando não conseguimos ajudar os nossos companheiros. Tínhamos o scudetto na mão, mas deixámo-lo escapar... Quatro pontos de vantagem sobre o poderoso Milan que puf!... Se esfumaram em meia dúzia de jogos. Uma merda. Depois há o resto que não depende dos meus pés.

– Pois... soube que o Napoli ficou em segundo lugar no campeonato italiano. Que pena!

– É futebol, niña. É normal ganharmos e perdermos – desvalorizou. Passou outra mão pelo cabelo. Ele que parasse com aquilo ou quem o penteava com os dedos seria eu!

Contou-me brevemente sobre o torneio das quatro nações, jogos particulares entre seleções, que tinha acontecido na Alemanha por alturas da Páscoa, no início de abril. Participaram a Argentina, a União Soviética – uma imagem de Dasaev veio-me logo à cabeça – a Suécia e a equipa da casa, a Alemanha. A alviceleste jogou muito mal, perderam com os soviéticos por quatro bolas a duas, apesar de ele ter marcado um golo de livre, e voltaram a perder com a Alemanha por um a zero. A vencedora do torneio foi a Suécia que bateu a União Soviética na final. Ele devia ter descansado de uma Serie A que estava a ser desgastante, mas escolheu honrar a camisola do seu país. Eram escolhas, completou, ele não se arrependia das que fazia, apesar de algumas terem consequências desagradáveis. No caso foi o agravamento da lesão que o incomodara durante a época toda e a não revalidação do scudetto. Também podia escolher não jogar, mas escolhia fazê-lo para agradar ao Platini, explicou com um encolher de ombros. Dali iria de férias, iria dedicar-se à família. Se jogasse aqueles quarenta e cinco minutos não iria ser problemático, depois de tantos minutos e de tantos jogos em cima das pernas.

Aqueles Dias de MaravilhaOnde histórias criam vida. Descubra agora