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Quando, em dezembro, atingi a maioridade e completei dezoito anos voltei a sentir-me desajustada e insegura. Assustei-me. Pensava que o amadurecimento seria uma viagem ininterrupta em linha reta, sem curvas, inflexões, travagens bruscas ou acidentes. Pelos vistos, não era, e vi-me, inesperadamente, no meio de uma crise de identidade, completamente à deriva, sem qualquer porto seguro ao qual pudesse apontar a proa da minha frágil embarcação. As minhas amigas, com a Monique e a Marta à cabeça, não me pareciam adequadas para serem confidentes dos meus problemas. Ninguém o era, na realidade, pois as pessoas que me eram mais próximas, a começar na minha família e a terminar na escola, desconheciam o que eu fazia quando me ausentava. Portanto, vi-me completamente sozinha para lidar com as minhas dúvidas, os meus medos e as minhas frustrações.

Para piorar, a minha mãe resolveu oferecer-me prendas que se destinavam ao meu enxoval. Panos, toalhas e um conjunto para cortar e servir bolos. Achou que seriam ideais para quem alcançava a bonita idade de dezoito anos. Era adulta, era uma mulher, tinha de me focar no meu futuro e, para a minha mãe, este passava inevitavelmente pelo casamento e pela maternidade. Os estudos eram só um aparte que podiam ou não dar certo. A grande ambição de uma rapariga era encontrar um homem que cuidasse dela e depois podia entreter-se com uma carreira.

Achei que aquelas prendas foram como um castigo, uma bola de ferro presa a uma corrente grossa e pesada que terminava na grilheta em redor do meu tornozelo que me iria limitar a liberdade. Uma afirmação de que, apesar de todas as minhas viagens, eu continuava a pertencer ao mundo da minha mãe – estreito, retrógrado e previsível. Que me esquecesse de todas as ambições, sonhos e impossibilidades. Não iriam acontecer. Fiquei incrivelmente deprimida. No meu décimo oitavo aniversário, passei uma tarde monótona a rever um filme que já vira mais de dez vezes e deitei-me cedo. O dia estava a ser insuportavelmente longo.

Quando despertei no dia seguinte, senti um alívio muito grande. Tinha dezoito anos, continuava triste e ensimesmada, mas já não havia uma especial obrigação para provar alguma coisa. Olhei-me ao espelho. Achei-me um pouco menos feia, menos desgrenhada, menos gorda. Fui para as aulas encolhida, temendo que lessem no meu rosto e no meu corpo desproporcional todo o retrocesso que sentia a tisnar-me a alma. Felizmente aconteceram uns furos no horário e combinou-se uma saída até a um café. Fomos num grande grupo e aquela hora distraiu-me das minhas inseguranças.

De regresso a casa, enfiei-me no meu quarto. Montei a máquina de escrever, mas a folha que coloquei no carreto permaneceu obstinadamente em branco. Desisti de escrever e fiquei a contemplar os posters da parede, o queixo apoiado numa mão, entre suspiros e lágrimas, a lembrar-me dos últimos acontecimentos daquele mês e meio, a seguir ao casamento de Diego.

No futebol, as coisas iam como eu – incertas, engasgadas, nevoentas, atrapalhadas, escuras. O Napoli mantinha-se no primeiro lugar da Serie A, que tinha retomado o calendário regular a dezassete de novembro, como se a pausa se tivesse relacionado com o matrimónio do argentino. Achei a ideia rebuscada, mas também achei que podia ter sido uma deferência da federação italiana devida a Maradona. Nas competições europeias, todavia, o clube do Sul que detinha ainda a taça UEFA foi eliminado pelos alemães do Werder Bremen com duas derrotas. A primeira no San Paolo e a segunda por uns humilhantes cinco a um que me deixaram desaustinada e horrorizada.

Por esses dias, escrevi um postal a Jean-Marie para felicitá-lo pelo seu aniversário. Continuava sem saber qual era a sua morada na Turquia, pelo que o enviei, a contragosto, para Beveren. Foi mesmo um postal simples, com meia dúzia de frases típicas e padronizadas que se usavam nessas ocasiões, porque o espaço para a mensagem era só aquele pequeno quadrado do lado esquerdo. No geral, o texto ficou frio e impessoal. Deixei-o ficar assim e enfiei o postal dentro de um envelope para não me arrepender, rasgá-lo e escrever uma longa carta com tudo o que me apetecia desabafar. Escolhi o meu caderno para isso.

Aqueles Dias de MaravilhaOnde histórias criam vida. Descubra agora