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Cheguei a Nápoles na sexta-feira, por volta da hora do jantar. A Claudia apanhou-me assim que entrei na sua casa. Deu-me um grande abraço, festas na cabeça, anda, anda comigo. Estava agitada, nervosa, exigente. Levou-me para a cozinha, pediu-me ajuda. Eu disse-lhe que precisava de ir arrumar a mala, acabava de chegar. Ela disse-me, deixa-a aí e eu larguei a minha bagagem no meio da sala, olhando-a por cima do ombro com alguma apreensão. Esperava que não fossem mexer nas minhas coisas, embora não tivesse comigo nada de comprometedor, só o diário, mas estava escrito em português e ninguém iria decifrá-lo numa espreitadela rápida.

Conheci a babysitter das meninas, uma mulher calada e desenvolta que soube tratar-se de uma das filhas da senhora Rispoli, irmã de Massimo. Perguntei por ele. Sorriu-me com uma certa cumplicidade, deveria julgar-me alguma namorada do irmão, alguma paixoneta. Quando falasse com ele, enviar-lhe-ia os meus cumprimentos. Sorri-lhe de volta.

Daquela vez, porém, o Massimo não fora a minha desculpa para a ausência no fim-de-semana. Como a minha viagem aparecera tão em cima da hora, resolvi simplesmente... desaparecer. Deixei um recado em casa em cima da secretária do meu quarto a dizer que iria estudar para a prova geral de acesso. Não adiantei com quem. Podia ser com a Marta, a Monique ou até a Kathryn. Confiava que a minha mãe não se pusesse com telefonemas para desencantar o meu paradeiro, de qualquer modo não era do seu feitio. Na escola não disse nada. Despedi-me, até segunda-feira, e saí mais cedo, alegando que continuava cansada da excursão ao Porto. Ninguém achou estranho.

As meninas estavam crescidas e bonitas. A Giannina continuava muito séria e a Dalma, irrequieta, corria de um lado para o outro, importunando a mãe a perguntar pelo pai. Desiludira-se ao ver-me chegar, pois julgava que era Diego. Não perguntei onde ele andava, porque temi que a minha voz soasse demasiado ansiosa. Admitia que estava com saudades. Esperava que a minha reação não fosse tão inoportuna assim que o tivesse à minha frente, que conseguisse dominar a minha emoção.

Dalma teve alguma dificuldade em me reconhecer. Dei-lhe espaço e tempo. Passados alguns minutos passou a importunar-me a mim. Mostrava-me as suas bonecas que ia numa corrida buscar ao sítio onde brincava na sala, uma clareira juncada de brinquedos atrás de um dos sofás.

Ajudei a Claudia com o resto do jantar e a pôr a mesa, arranjei uma nesga para tratar da minha bagagem. Deixei tudo no quarto habitual, regressei numa corrida para o primeiro piso. Por volta das nove da noite, a minha barriga roncava esfomeada, mas aguentei-me estoicamente. Brinquei com a Giannina que guinchava ante as momices da irmãzinha. A babysitter foi-se embora, antes elogiou-me o jeito que tinha com crianças. Levou uma embalagem de plástico com parte do jantar, uma massa com molho de tomate que cheirava divinamente e, quando dei por mim, fiquei encarregada das meninas. Tudo bem, não me pesavam ou incomodavam, fazia aquilo com prazer. Eram as filhas de Diego, tratava-as como se fossem minhas primas ou sobrinhas, gostava muito delas.

Chegou a Maria e o marido, acompanhados de duas mulheres, amigas de Claudia. A irmã de Diego gostou de me ver. Achou-me diferente, para melhor, mais madura, aqueles elogios habituais de cortesia que se dispensam a quem não vemos há muito tempo. Apareceram mais dois casais. Seria uma festa? Ou um jantar normal? Naquela casa havia sempre essa dúvida, mas já me tinha acostumado à rotina disfuncional do lugar. O que importava era que tudo corria bem, uma máquina bem oleada, comigo a contribuir positivamente para a engrenagem fluir, como se vivesse ali, como se pertencesse ali e isso insuflava-me o ego.

Mais rebuliço na entrada, vozes altas. Vi o Signorini, outra mulher que devia ser a esposa, outro homem, e Diego. O cabelo húmido estava brilhante e o seu sorriso embelezava-lhe o rosto com uma luz tão grande que a senti atingir-me com o estalo de um relâmpago. O meu estômago deu três voltas, os meus joelhos cederam, perdi a força nos tornozelos e o chão fugiu-me debaixo dos pés. Vinha a falar alto, a queixar-se de que estava com fome, precisava de comer ou caía desfalecido, num exagero encantador. Foi rodeado pelos amigos, pelas mulheres, a irmã ordenou-lhe que fosse lavar as mãos. Diego mostrou-lhas, estão lavadas, vamos para a mesa. Perguntou se queriam aperitivos, ele iria preparar as bebidas. Todos aceitaram, para meu desespero que não bebia. O meu relógio de pulso marcava nove e vinte. Não costumava jantar tão tarde na minha casa.

Aqueles Dias de MaravilhaOnde histórias criam vida. Descubra agora