107.

19 4 14
                                    


Diego andava com a taça pelo corredor do hotel que tinha as portas dos quartos escancaradas. Toda a gente falava alto, sem compostura alguma, enquanto faziam as malas para deixar a Alemanha como campeões dali a menos de uma hora. Estavam atrasados, mas o avião esperava pela comitiva.

A algazarra ensurdecedora era música para os meus ouvidos. Quedei-me a observar o argentino que parava em cada quarto para exibir o troféu que voltava a ser ungido por beijos e carícias. Era uma taça pomposa e grande, prateada por fora e dourada por dentro, o plinto gravado em baixo-relevo num desenho intrincado de jogadores entrelaçados e bolas. Na base existiam pequenas chapas com os nomes dos clubes que a tinham conquistado e uma dessas ostentava o nome do Napoli, mais a data daquele maio inesquecível.

Todos faziam uma vénia à taça e, a seguir, davam a Diego os parabéns pelo nascimento da segunda filha, que tinha acontecido no dia anterior, em Buenos Aires. A menina chamava-se Giannina Dinorah, tanto ela como Claudia estavam bem e com saúde. Chamavam-no carinhosamente de capitão e depois de papá.

Massimo Crippa era outro duplamente felicitado. Tornara-se campeão europeu no dia do seu aniversário e apanhava com carolos dos seus companheiros que lhe desejavam os parabéns, que o chamavam de velho senhor, mas ele fazia por apanhá-los, pois corria o corredor de uma ponta à outra colocando-se a jeito para ser atingido.

Entrevi Fernando Signorini a fumar um cigarro enquanto conversava com um homem mais velho que depreendi tratar-se de um dos dirigentes do clube. O presidente Ferlaino parecia ter enlouquecido na viagem de autocarro para o hotel, onde iriam recolher a bagagem. Falava, gesticulava, distribuía dinheiro, gritava, chorava e gargalhava como um demente. A imensa felicidade dera-lhe para essa demonstração desvairada, ainda para mais quando, descobri, ele faria cinquenta e oito anos no dia seguinte, dezoito de maio, e aquela vitória era também uma prenda antecipada. Eu tinha visto o homem que estava agora com Signorini a tentar acalmar o presidente, corado de vergonha, mas igualmente sorridente e com os olhos brilhantes. Felizmente que Signorini não me viu, nem no autocarro, nem no estádio, nem a espreitar o corredor, ou já me tinha feito uma careta.

Não devia estar ali, sabia-o, mas não aguentara a curiosidade e fora espreitar o que causava aquela enorme barulheira que se escutava no átrio. Os rececionistas tinham sorrisos contraídos, notei-lhes o esforço para não se irritarem com aquela última demonstração da desordem italiana. Os rígidos alemães estavam desejando verem-nos pelas costas... Acrescia também que se tratava de habitantes de Estugarda e que teriam preferido ver o clube local vencedor, em vez daqueles estrangeiros bandalhos e incrivelmente ruidosos. Na rua, juntava-se um pequeno grupo resistente de adeptos que clamava pelos jogadores, pelo presidente, que evocava os santos que os tinham auxiliado na vitória, que cantava e que urrava, perturbando o silêncio e o descanso que seriam normais àquela hora. Era quase meia-noite.

Diego descobriu-me. Fez-me sinal para que me aproximasse. Entrei no corredor, desviei-me de Crippa que continuava com as suas corridas malucas. Parei junto à porta entreaberta do quarto, Diego pediu-me que entrasse. A taça estava pousada na cómoda que tinha as gavetas todas abertas. No chão, uma mala cheia de roupa amontoada aguardava para ser fechada. Ele levantou um braço e disse para alguém no corredor, num tom jocoso:

– Eu sou o capitão, posso levá-la comigo!

A seguir fechou a porta. Vendo-me a olhar embasbacada para a taça, esclareceu:

– Eu sou o capitão, posso tê-la aqui.

Olhei-o confusa. Julguei que o que ele tinha dito mencionara a taça que tão alegremente carregara, mas agora compreendia com um arrepio de prazer que também se podia referir a mim. Pousei a mochila aos meus pés, a alça estava a magoar-me o ombro direito. Sentia-me fatigada, mas hesitava em dar-me por vencida quando a festa continuava. Os gritos no corredor não tinham amainado, para desespero dos rececionistas.

Aqueles Dias de MaravilhaOnde histórias criam vida. Descubra agora