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Levaram-me discretamente até ao corredor do hotel onde se alojava a comitiva do Napoli. Entrei pelas traseiras, por uma porta de serviço. Estava lá alguém à minha espera. Na parte da frente juntava-se um pequeno grupo de curiosos que esperava ver Maradona e pedir-lhe um autógrafo, pelo que havia segurança reforçada. Nunca me deixariam passar por não ter um passe válido, certificado pela gerência, mesmo que afirmasse e provasse ser uma amiga do argentino.

Combinei tudo com Signorini, evitei falar com Cóppola. O empresário de Maradona incomodava-me e continuava a ter dele uma ideia não muito agradável. Os dois, Signorini e Cóppola, conheciam o meu caso com Diego, mas se o primeiro me parecia mais confiável para guardar o segredo, o segundo haveria de fazer de tudo para usá-lo para me chantagear se porventura eu ameaçasse invadir a sua esfera de influência. Cóppola, no meu entender, era um ditador bondoso que disfarçava a sua tirania com uma generosidade colorida.

Dias antes, atenderam-me finalmente o telefone da casa de Posillipo. E tive a sorte de ter sido Signorini a aparecer no outro lado da linha nessa primeira chamada. Expliquei-lhe que queria ver Diego em Lisboa, só isso. Preferia que fosse antes do jogo. Fiz o pedido com uma monotonia irritante, mas descobri que não conseguia entusiasmar-me. Estava ainda demasiado traumatizada e temia que qualquer assomo de emoção deslocada pudesse deitar tudo a perder. O fio que me ligava a Diego sempre fora frágil e dependente de uma série de fatores aleatórios. Naquele verão, eu compreendera que se podia partir com muita facilidade se lhe desse um puxão abrupto. Signorini prontificou-se de imediato a ajudar-me e agradeci-lhe a disponibilidade.

Foi ele que me recebeu à saída do elevador estreito utilizado pelos empregados, que ficava no fundo daquela ala do hotel. Agradeceu ao homem que me tinha escoltado, que já estava avisado da minha vinda e que me recebera nas traseiras. Dei um aperto de mão a Signorini, ele levou-me até ao quarto de Diego. Não falámos um com o outro depois de termos dito boa noite.

Descobri que estava nervosa. Temia ver-me frente a frente com Diego e desmanchar-me de tal maneira que ele haveria de me rejeitar para sempre, dizendo que seria aconselhável terminarmos com aquela amizade invulgar que me destruía lentamente. Mas talvez ele não tivesse a sensibilidade de perceber que, ao nível celular, a nossa relação me fazia implodir.

Os nervos apareceram como uma onda forte que me derrubou e me submergiu assim que Signorini bateu na porta com o punho, utilizando um toque suave. No comboio estava calma, quando me registei na receção da pensão onde iria passar a noite continuei calma, ao chegar ao hotel permaneci calma, ao subir no elevador era a calma em pessoa. Agora, as minhas pernas tremiam e era uma fã igual a todas as outras, a antecipar o encontro extraordinário com o seu ídolo inalcançável. Detestei-me por ser tão fraca.

Entrei no quarto atrás do professor. Era uma suite grande, com o espaço de uma pequena sala separado do espaço de dormir, servida por uma casa-de-banho que imaginei ser igualmente enorme. Tinha duas janelas e uma varanda. Estavam lá outras pessoas para além de Diego que entrevi a conversar com Cóppola. Ele não se apercebeu da minha chegada. Signorini pediu-me para aguardar e obedeci.

Diego estava diferente. Usava uma barba cerrada que lhe definia o maxilar e envelhecia o rosto. Deixara crescer o cabelo, tinha uma franja longa e encaracolada que descaía sobre os seus olhos baços. Engordara alguns quilos, notava-se o volume sob a roupa demasiado larga que o deformava em vez de esconder o excesso de peso, especialmente na zona abdominal. Os seus gestos eram pesados, arrastavam-se numa tranquilidade que tinha qualquer coisa de artificial.

Signorini tocou-lhe no braço. Diego crispou as sobrancelhas, um trejeito que indicava uma certa apreensão, uma certa contrariedade. Olhou por cima do ombro de Cóppola que, via agora, bebia e levava o copo aos lábios para um gole. Ao me ver, a preocupação que lhe contraíra o rosto desanuviou-se. Reparei que tentou sorrir, mas a linha da boca pouco se moveu e não chegou a formar a curva inequívoca de um sorriso.

Aqueles Dias de MaravilhaOnde histórias criam vida. Descubra agora