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A casa dos Pfaff assemelhou-se-me a um porto seguro, a um refúgio de calmaria e tranquilidade após uma tempestade estrepitosa e caótica. Por comparação com a casa de Maradona, ali era um reino pacífico governado há incontáveis eras pela mesma família real, enquanto em Nápoles sucediam-se as experiências políticas de governação de toda a sorte, monarquias entrelaçadas com democracias e tiranias. Senti a quietude como parte elegante da mobília, um bálsamo que me acalmou os sentidos e que me iria ajudar a reorganizar as minhas memórias daqueles dias, eliminando o que tinha de esquecer, realçando o que tinha de recordar.

Ao entrar no átrio fui logo abraçada por Debby, por Kelly e por Lindsey, cumprimentada pela Carmen que me perguntou se estava tudo bem. Jean-Marie respondeu por mim:

– Está inteira. Sim, está tudo bem.

Ignorei o comentário estúpido. Nem lhe fiz má cara. Era totalmente improdutivo se começasse uma altercação com o belga na sua casa, na presença da sua família. Significaria que não, que não estava tudo bem comigo, que tinha trazido agarrada a mim a má criação napolitana, que me tinha deixado influenciar mais do que o aceitável para os padrões daquele lar perfeito.

Perguntei por que motivo não estavam as meninas na escola. Já tinham estado, responderam as três em coro muito animadas. Iriam fazer os trabalhos de casa e depois brincar, contavam comigo para as brincadeiras. Jean-Marie avisou-as que eu tinha que descansar, respondi que tinha dormido no avião e que me sentia ótima. Se era assim, acrescentou ele mostrando as mãos, que fizesse como entendesse. O jantar estava programado para as cinco da tarde, ele iria sair para um treino com a equipa, estava entregue à rainha e às princesas.

Juntei-me, então, a Carmen e às filhas na sala de estar depois de um banho e de ter arrumado as minhas coisas no quarto, de ter adorado o reencontro com aquelas quatro paredes que fizera de minhas, onde me sentia protegida, mais protegida, pensei relutante, do que no quarto na casa de Diego. Ah, que parasse com essas comparações idiotas, que não me deixasse contaminar pelo azedume ciumento de Jean-Marie! Estava a ser injusta, parcial e parva. Diego estivera comigo no aeroporto, havia umas escassas cinco horas, para se despedir de mim. Beijara-me, abraçara-me, levantara-se cedo depois de uma noitada.

Estava novamente entre as mulheres, o homem da casa fora tratar dos seus assuntos relacionados com o futebol que eu adorava, precisamente, por causa dele, dos seus amigos, de Diego e dos argentinos. Ali, porém, não me sentia excluída ou diminuída, empurrada para um canto para que não incomodasse.

Sentei-me entre Debby e Kelly e estive a ajudá-las a fazer os exercícios, mais uma vez, com todas as minhas limitações, embora com toda a minha boa vontade. Aproveitei os materiais da Lindsey e aventurei-me a fazer quatro máscaras de Carnaval, daquelas simples que só cobriam os olhos. Utilizei cartolinas e decorei-as com canetas de feltro. Carmen elogiou o meu jeito para o desenho. Desvalorizei, não tinha jeito nenhum.

– Tina, não digas isso. As máscaras estão muito bem decoradas.

Reparei que só tinha feito quatro, perguntei-lhe timidamente se queria uma máscara também para si. Abanou a mão, divertida com a minha atrapalhação. Não precisava de nenhuma máscara, nunca gostara muito do Carnaval. Sentia curiosidade, contou-me, de conhecer o de Veneza, porque lhe parecia mais civilizado e sem os exageros de outras celebrações dessa festa no resto do mundo, deu-me o Brasil como exemplo, mas não fazia muita questão. De qualquer modo, Jean-Marie andava sempre muito ocupado devido aos compromissos dos jogos, as meninas tinham escola, talvez mais tarde visitasse Veneza quando o marido se reformasse.

Falei-lhe brevemente do Carnaval em Portugal, ela gostou de conhecer as nossas festas tradicionais que começavam a ser muito influenciadas pelo exotismo e provocação brasileiros. Eu gostava bastante de samba e da alegria do Carnaval tropical, mas era um pouco ridículo transpô-lo tal e qual quando fazia tanto frio em Portugal e estávamos no meio do inverno. Carmen riu-se com essa minha análise e deu-me toda a razão.

Aqueles Dias de MaravilhaOnde histórias criam vida. Descubra agora