12.

22 5 31
                                    


O segundo período do meu nono ano iniciou-se a cinco de janeiro. Estava muito frio nesse primeiro dia de aulas, fui para a escola zangada, o pescoço abafado por um cachecol de lã tricotado pela minha tia Irene e que fora prenda de Natal. Puxei-o até ao nariz para impedir ganhar cieiro nos lábios.

Tinha sono, sentia-me indolente, desmotivada, cansada, sem forças para a rotina escolar. Mas quando a Monique me recebeu com os braços ao alto, entusiasmada por me rever, e me contou as novidades de França, fora passar as festas com a família desse país, passou-me o agastamento e fiquei imediatamente de bom humor.

No intervalo do meio da manhã fui com ela até ao quiosque perto da escola. Tinha de comprar uns jornais que o pai pedira. Olhei para o semanário desportivo e também o comprei, mentindo que era para o meu pai. No Natal recebera algumas prendas em dinheiro que acrescentei à minha mesada e sentia-me rica, ao ponto de poder fazer umas extravagâncias.

Regressámos para junto das nossas amigas. A Elizabeth contava as suas peripécias com namorados e confusões com a mãe que não queria que ela visse um rapazinho de quem ela gostava, por achá-lo inadequado. Eu pus-me a folhear rapidamente o jornal que era enorme, um autêntico lençol que me obrigava a esticar os braços para poder ver os cabeçalhos de todas as reportagens. Fingi-me de entendida no que se relatava nas páginas a preto e branco, com alguma impressão a vermelho para destacar os assuntos considerados mais importantes, mas a verdade é que tinha acompanhado o campeonato nacional de futebol de forma muito intermitente e aquelas polémicas que faziam as parangonas eram-me incompreensíveis. Dobrei o jornal para guardá-lo quando me deparei com uma fotografia granulada... de Diego. Soltei um gritinho.

A Elizabeth não gostou de ser interrompida. Carregou uma sobrancelha na minha direção. Desvalorizei a sua censura, abanei uma mão e disse:

– Podem continuar a conversa. Só encontrei uma coisa interessante no jornal.

Não me deram importância e agradeci-lhes por isso. A Elizabeth continuou a ser a estrela do nosso pequeno círculo, a sua posição não foi beliscada e não foi necessário repor a perturbação gerada pelo meu grito.

Diego estava a avançar pelo campo na direção da baliza, numa corrida entre dois adversários, dois defesas que tentavam travá-lo em vão. A caixa de texto falava no Napoli, na derrota expressiva do clube do Sul frente à Fiorentina por três a um, e de que nada valera o golo do melhor jogador do mundo. O jogo tinha acontecido no dia anterior, domingo. No fim, o jornalista que assinava aquela pequena reportagem deixava a nota de que, apesar de ter perdido, o Napoli estava a fazer um excelente campeonato e que o campeão italiano daquela temporada poderia muito bem ser uma surpresa agradável.

Chegada a casa, recortei aquela imagem de Diego, juntei-a à caixa que destinara aos pedaços de imprensa que fosse colecionando, onde também guardara a primeira carta de Jean-Marie. Esquadrinhei o resto do jornal, não encontrei mais nada. Recordei-me que na Alemanha e na Europa do Norte, onde fazia mais frio e nevava, estavam todos a gozar uma pausa chamada férias de inverno. Atirei o jornal para o lixo.

A minha mãe pediu-me para apagar o fogão dali a cinco minutos, tinha de ir a correr à rua para comprar uns ingredientes de última hora. Eu acenei com a cabeça e ela saiu. Assim que a porta se fechou corri para o telefone e disquei o número de Jean-Marie. Estava sozinha em casa e ia aproveitar a oportunidade. O meu irmão brincava na casa dos vizinhos e o meu pai voltaria do trabalho dali a mais ou menos meia hora.

Atendeu-me outra vez uma mulher, mas agora foi ao fim de dois apitos. Falei em francês.

– Olá, boa tarde. Gostaria de falar com o Jean-Marie. Sou a Cristina Velez, de Portugal.

Aqueles Dias de MaravilhaOnde histórias criam vida. Descubra agora