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Quando o Napoli foi novamente campeão de Itália, em abril de 1990, nas vésperas do início do mundial, vi nessa conquista um sinal de que o meu sonho de verão podia repetir-se. Diego estava imparável! Exibia uma excelente forma física e uma alegria muito semelhante àquela que lhe via lampejar no seu olhar no México.

Estivera um pouco descrente em relação ao novo campeonato do mundo, mas faltando agora cerca de um mês para o jogo inaugural, que oporia a Argentina à modesta seleção africana dos Camarões, a energia de Diego contagiava-me e convertia-me numa fanática das suas capacidades sobre-humanas, no seu talento inigualável.

Talvez grande parte da minha convicção derivasse do amor que lhe devotava, da paixão que me formigava no peito e me revolvia o estômago, que me embotava os sentidos e me tornava irritantemente parcial, mas nalguma parte da nossa vida nos erguemos para defender o que nos é mais precioso. Aos dezoito anos, em abril de 1990, Diego Armando Maradona era o que de mais importante existia na minha vida, depois da minha família. Embora, quando pensava nos meus pais, no meu irmão, nos meus tios, primos e avós, até nos meus amigos, hesitasse ligeiramente.

Ele tinha-me pedido que ficasse e eu ficara, sem saber muito bem o que isso significava. Signorini, que assistira ao abraço que trocámos, tratou de resolver a situação, porque como eu me apresentava, vestida de calças de ganga e casaco de fato-de-treino com capuz, mochila ao ombro, sapatilhas e uma fita a afastar-me a franja da testa, não podia certamente ficar.

O clube tinha preparado um jantar de confraternização num hotel badalado da cidade para celebrar a vitória, situado na frente ribeirinha junto ao Castel dell'Ovo. O presidente convidara desde os jogadores aos funcionários, passando pelos treinadores, técnicos e demais corpo dirigente, família e amigos. Seria uma festa monumental que também se queria inesquecível, que incluía ainda personalidades napolitanas, como políticos, empresários, atores e cantores. Havia código de vestuário, obviamente. Numa noite extraordinária não se admitiam amadorismos, maltrapilhos ou improvisações. Em suma, eu não estava adequadamente vestida para a ocasião.

Depois de um duche frio ultrarrápido, não tive tempo de deixar a água aquecer, a Maria veio em meu auxílio e desenrascou-me pelo tempo que Diego se levou a despachar. Tinha sido essa a imposição, aliás. Eu deveria estar pronta antes dele. Trouxe-me um vestido que pertencia a Claudia, com a autorização dela, comprido, chegava-me aos tornozelos, de manga curta, com um decote generoso, justo nas ancas. Não era a primeira vez que usava roupa de Claudia, mas coibi-me de fazer a observação. As mãos tremiam-me de nervoso. Eu tinha ficado e era preciso anular alguns conceitos, pruridos e convenções, a começar pela minha opinião sobre o vestido, sobre os sapatos que me ofereceram para calçar decorados com um laço cravejado de brilhantes, sobre o cabelo que me prenderam numa bandolete que combinava com a cor do vestido, com o batom excessivamente vermelho que me realçou a boca, a sombra turquesa que me carregou as pálpebras e amorteceu a vivacidade do olhar. Parecia uma boneca perplexa, devassada pelas mãos de uma menina caprichosa, mas não me queixei. Diego nem me reconheceu quando regressou ao rés-do-chão, a esfregar as mãos e a dizer que já estávamos atrasados. Sabia que eu estava lá, que tinha ficado, que iria com ele ao jantar, e era o suficiente.

Iria para uma festa e decidi aproveitá-la, como sempre aproveitava qualquer prémio que me calhava em sorte. Ao máximo! Carpe diem, gritava interiormente num berro que lançava sobre o mundo calado a meus pés. Carpe diem efetivamente. Só tinha pena de não poder contar nada disto quando regressasse à escola, diante da minha turma e com a professora São a ouvir. Mostrar aos meus colegas que eu levava muito a sério o lema do professor Keating do filme. Carpe diem!

E, mais importante ainda, iria para a festa de campeão da Società Sportiva Calcio Napoli, na companhia de Diego Armando Maradona, o melhor jogador de futebol de todos os tempos, que fazia milagres com os seus pés de ouro. Toda uma coleção nova de altares estavam a ser-lhe erguidos naquela mesma noite.

Aqueles Dias de MaravilhaOnde histórias criam vida. Descubra agora