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O jogo daquela tarde de domingo foi um passeio no parque, como se costumava dizer. O Bayern ganhou facilmente por três a um ao Nuremberga e passou à próxima fase a eliminar da taça da Alemanha, os quartos-de-final. A equipa bávara incluía-se nas oito finalistas que podiam aspirar à conquista do troféu, sem grande alarido e sem grandes festejos. Na primeira parte aconteceu o empate, mas a partida estava mais do que ganha desde o apito inicial. Dois golos na segunda parte, um pelo galês Mark Hughes, o outro de penálti por Matthaeus, fixaram o resultado final.

Vi o encontro entre o Bayern e o Nuremberga num lugar especial da bancada, com cobertura e umas anteparas que mitigavam o frio daquele dia de meados de fevereiro, destinado aos convidados do clube, geralmente os familiares de jogadores e outros amigos. Festejei cada golo com exuberância, porque continuava a achar que jogos de futebol tinham de ter muitos golos e aquele tivera-os, quatro no total. A Lindsey pulava comigo, mas a Debby e a Kelly coibiram-se de demonstrações exageradas. A Carmen não me disse nada e também não diria nada à filha mais nova, mas censuraria fortemente explosões descabidas das outras duas filhas e vigiava-as de perto, pronta para a reprimenda. Às escondidas, a Debby mostrava-me um polegar erguido, piscava-me o olho e murmurava a palavra rebelde. Eu devolvia-lhe o mesmo polegar, a mesma piscadela de olho, repetia rebelde e apontava para ela. A Debby ria-se por estar a fazer aquilo nas costas da mãe.

Como tínhamos ido para o estádio no carro da Carmen, assim que o jogo terminou fomos imediatamente para casa. Só nos demorámos poucos minutos à espera que ela cumprimentasse as mulheres que se aproximaram com aquela conversa de circunstância, outras esposas, namoradas, irmãs de colegas de Jean-Marie que vinham saber de novidades e fazer perguntas de cortesia. Eram todas pessoas muito bem-educadas, retraídas, maduras, quase velhas na postura responsável. As três meninas portaram-se muito bem e foram pacientes, já eu... admito que saí um pouco dos limites. Debruçava-me sobre o corrimão que delimitava a bancada e interessei-me pelos jogadores que abandonavam o relvado, alguns rodeados por jornalistas e fotógrafos que faziam a reportagem do jogo. Segui Jean-Marie com os olhos, fiz-lhe adeus, chamei-o com acenos exagerados. Era impossível ver-me e não levantou a cabeça.

Em casa, pus o vestido da Debby que já tinha separado para mim. Penteei o cabelo, perfumei-me com a água-de-colónia que a Kelly generosamente me veio mostrar. A Carmen emprestou-me um colar e uns brincos. Estávamos todas embonecadas quando Jean-Marie chegou. Tinha tomado banho, cheirava muito bem, mas ainda usava o fato-de-treino e pediu-nos alguns minutos para ir trocar de roupa e vestir algo mais elegante, para não destoar de tão requintada companhia feminina. Corei envergonhada com os olhares que ele me lançava. Não olhava especialmente para mim, mas a sua atenção deixava-me sempre desamparada. Antes de subir foi até ao saco desportivo e retirou de uma alça lateral um molho de rosas vermelhas. Deu a primeira à Carmen, a segunda à Debby, a terceira e a quarta à Kelly e à Lindsey. Estendeu-me a quinta rosa. As minhas faces não tinham eliminado totalmente a vermelhidão que as acometia e agora tinha de lidar com outra situação que me atrapalhava ainda mais. Diante da mulher e das filhas, Jean-Marie oferecia-me uma flor, uma rosa vermelha, símbolo de paixão, emblema de amor. Encarei-o aflita.

– É para ti, Cristina.

– Ah... Obrigada – balbuciei.

– Hoje é o dia de São Valentim e deve-se oferecer uma rosa às senhoras.

– Oh... o São Valentim! – Expliquei para ver se justificava a minha atitude encolhida: – Em Portugal não existe essa tradição.

– Em Portugal não se oferecem flores às mulheres que nos cativam o coração?

– Sim, oferecem. Acho que sim – respondi, cada vez mais tensa. – Estava a falar do dia de São Valentim. Isso é coisa americana. Em Portugal não temos o hábito de festejar este dia catorze de fevereiro... é isso.

Aqueles Dias de MaravilhaOnde histórias criam vida. Descubra agora