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Cheguei ao aeroporto de Orly, que servia a capital francesa, passava das duas da tarde. Estava esfomeada. Durante o voo tinham fornecido uma refeição ligeira, uma sandes e uma bebida, só que perdi a hora do almoço e eu precisava de me alimentar melhor. Afinal, estava a crescer... Bem, não estava propriamente a crescer, mas se me baralhavam os horários, os meus ritmos biológicos ressentiam-se.

Levava comigo uma mochila onde atafulhara duas mudas de roupa, artigos de higiene pessoal, a carteira com os meus documentos pessoais e o caderno do diário. Saíra de casa como se fosse para as aulas. O meu pai deixou-me na porta da escola, viu-me a franquear o portão na companhia dos outros estudantes, viu-me a entrar no edifício. Colei-me às vitrinas, a fingir que lia os avisos e as informações, de costas para o rebuliço e para evitar que fosse vista pelos meus colegas. Girei, saí do átrio, voltei a franquear o portão, desta vez no sentido contrário, dirigi-me para a baixa da cidade que ficava a qualquer coisa como dez minutos a pé. Na praça de táxis entrei num automóvel e pedi ao motorista que me levasse ao aeroporto. Em casa não deixei nenhum recado, não disse para onde ia, nem como me podiam contactar. Quando se fugia de casa era assim que se procedia – sem alertar ninguém, para que não fôssemos perseguidos e encontrados.

Imaginava o meu pai furioso quando descobrisse o que eu tinha feito, imaginava-o a contactar a polícia que lhe haveria de dizer que tinham de esperar os dois dias da praxe e só depois iniciar as buscas, o que me dava folga para passar o fim-de-semana sem ser incomodada. Quando voltasse teria de inventar que fora raptada por alienígenas, que estava com amnésia ou outra história incrível para ver se não era tão castigada. De resto, não estava preocupada. Forcei-me a não pensar nas consequências da minha fuga. Iria aproveitar aqueles dias de liberdade com mais alegria e desprendimento do que as breves horas em que me divertira no casamento da Elizabeth.

Como não tinha outra bagagem para além do saco inchado que carregava às costas, assim que me vi na aerogare francesa procurei pela saída. Utilizei pela primeira vez o corredor dos passageiros da comunidade económica europeia, nada de controlos. Senti-me uma transgressora. Era tão estranho não haver uma fronteira ou uma paragem qualquer para vigiar o fluxo de pessoas e verificar documentos, não estava nada habituada. Tentei caminhar de forma descontraída, mas acabei por parecer que usava próteses nos joelhos.

Na zona das chegadas, Jean-Marie estava à minha espera. E não era só ele, ao seu lado estava a Carmen. Aproximei-me com um sorriso. Por cortesia iria cumprimentar primeiro a sua mulher. O belga, contudo, adiantou-se e puxou-me para um abraço. Confessou-se cheio de saudades, mas o que raio me tinha acontecido, queria saber a história toda, não admitia que eu lhe escondesse pormenores.

– Ah, Jean-Marie... calma, calma. Eu conto tudo, prometo! Antes vou fazer outra exigência. Olá, Carmen. Está tudo bem?

– Já sei... queres comer. Vamos, levo-te a uma cafetaria e pago-te o lanche.

– Não, antes disso. – Soltei-me do seu abraço. – O que faço em Paris?

A mulher sorriu-me com ternura, Jean-Marie piscou-me o olho.

– Consegues aguentar a curiosidade?

– Não.

– Ótimo! Porque eu não te vou contar para já. Primeiro vamos acomodar-te. As minhas filhas também estão connosco, estão muito felizes por te voltarem a ver. Sábado e domingo vamos passear por Paris e ver as vistas, na segunda-feira vamos para Nancy e depois na terça-feira regressamos a Paris para que cada um vá para a sua casa. Só te posso contar isto, por enquanto.

– Não é justo! – protestei. – Disse-te que não aguentava a curiosidade.

– Paciência, ma petite. É uma surpresa.

Aqueles Dias de MaravilhaOnde histórias criam vida. Descubra agora