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As instalações do estádio Olímpico de Munique eram modernas, arejadas, asseadas, impecáveis. Espelhavam toda a eficiência e a prosperidade alemã, transmitiam a mensagem inequívoca de superioridade, de organização, de uma certa sobranceria fria. Foi inevitável a minha comparação com os estádios que conhecera no México. Era certo que por terras americanas os recintos desportivos albergavam uma competição mundial, as melhores seleções dos seus respetivos países, a fina flor dos futebolistas, mas o Olímpico de Munique, se porventura fosse estádio do campeonato do mundo, faria envergonhar até o imponente Azteca 2000.

Jean-Marie deixou-me numa sala aquecida – estava menos frio do que em janeiro, mas ainda faziam uns gélidos onze graus positivos, o que para mim correspondia ao mais rigoroso dos invernos. Nessa sala havia sofás confortáveis de tecido, uma mesa de apoio baixa e com tampo de vidro, plantas envasadas, fotografias emolduradas a representar antigas glórias do Bayern. Imagens a preto e branco de plantéis, de jogadores em ação, bancadas repletas de homens que usavam chapéu e sobretudo.

Pediu-me que aguardasse na sala uns minutos, já viria ter comigo para me encaminhar para o corredor que me levaria até à bancada. Iria ter um passe especial, como convidada do clube.

– Posso ficar aqui? – perguntei.

– Podes, claro que podes. Não me vou demorar muito.

Distraí-me com as fotografias. Pus-me a contemplá-las, uma por uma, a ver todos os pormenores e assim forçar o tempo para que passasse mais depressa. Os jogadores de futebol do antigamente pareciam-me todos velhos de quarenta anos, pesados, desconchavados, feios. Tentei encontrar algum homem, sim porque eram homens, não eram rapazes, nem jovens adultos, que fosse mais jeitoso, mas o exercício revelou-se infrutífero. Nada, nenhuma carinha bonita, nenhum olhar cativante.

Pensando bem, Diego era um homem de baixa estatura, entroncado, pernas de coxas grossas, com tendência para o excesso de peso. Por seu lado, Jean-Marie era um homem com um físico normal, um rosto vulgar de onde sobressaía o azul dos seus olhos que brilhavam com um lampejo provocador de diversão. Talvez daqui a vinte, cinquenta anos, as adolescentes de quinze anos não os achassem bonitos, talvez lhes torcessem o nariz como eu torcia aos heróis da bola do antigamente. A beleza era um conceito variável e subjetivo. Para mim, a beleza de Diego e de Jean-Marie ia para além do aspeto físico. Eles tinham-me fascinado por todo um rol de razões. Um gesto, um olhar, uma palavra que fora diferente, a atenção que me deram, o carinho que me dispensaram. Provocaram-me e fizeram-me sentir importante. Fizeram-me sentir que eu era especial.

Jean-Marie voltou minutos depois, conforme prometera. Se foi muito ou pouco tempo não soube avaliar, porque as fotografias ocuparam os meus sentidos, o meu raciocínio e nem dei pelo tempo passar. Passou-me uma fita pela cabeça, onde estava pendurado um cartão plastificado com o meu nome, o símbolo do Bayern, umas frases indecifráveis em alemão e a palavra em letras grandes e azuis "guess", convidada, em inglês. Agarrou-me na mão e levou-me consigo.

Atravessámos um corredor e fomos dar a uma antecâmara. Lá dentro estavam homens mais velhos vestidos de fato e gravata, homens mais novos que carregavam sacos desportivos, uma ou outra mulher, algumas crianças bem-comportadas. Jean-Marie pediu-me para aguardar ali. Vendo-me sozinha, coloquei-me a um canto e tentei ser invisível. Nem era necessário tentar. Quem estava na sala não sentia curiosidade em relação a desconhecidos, um grupo mais ou menos homogéneo que já se conhecia minimamente. Eram todos alemães e não eram muito expansivos. Mantinham a voz num nível socialmente aceitável, os gestos eram secos, pareciam estudados para que não houvesse qualquer desperdício de energia, os mais pequenos continuavam obedientemente quietos. Como estavam com toda aquela distância polida, demasiado inalcançáveis na sua atitude contida, não procurei fazer amizades. Mantive-me no meu canto sem fixar uma cara que fosse.

Aqueles Dias de MaravilhaOnde histórias criam vida. Descubra agora