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O abraço que dei em Jean-Marie para me despedir dele no aeroporto foi o mais longo que alguma vez trocámos. A separação estava a custar-me mais do que aquela do México, a bordo do autocarro da seleção. Porque no aeroporto de Munique eu já tinha uma consciência maior do que abdicava e não queria abandonar o que achava meu por direito. Um mundo moderno, confiança, independência, felicidade, a nova Cristina Velez. Achava tremendamente injusto ter de escamotear o meu amadurecimento para ser aceite dentro do círculo das pessoas que, em teoria, deveriam amparar-me e guiar-me na minha passagem de menina a mulher. Por fim, começava a nutrir um certo rancor azedo para com os meus pais que não sabiam quem eu verdadeiramente era naquele momento.

Queria ficar para sempre com Jean-Marie, com a sua família, viver em Munique, visitar Nápoles, rever Diego, estudar... E era quando me lembrava da escola que a minha determinação se desmoronava, porque o meu sentido de responsabilidade gritava-me que eu tinha de voltar para casa para não fazer gazeta ou a minha ausência lançaria um alarme que destruiria tudo o que tinha construído até ali. A nova Cristina Velez seria levada pela enxurrada que apagaria o fim-de-semana em Munique e as férias no México.

Entalada nessa contradição restava-me prolongar o abraço a Jean-Marie.

O meu avião para Portugal era ao meio-dia e passava pouco das dez da manhã. Estava atrasada, mas eu não queria deixar Jean-Marie, o seu calor, o seu cheiro, a sua presença reconfortante, o seu exemplo paternal de amigo adorado. Desta vez não viera trajado de motorista, a piada não fazia sentido naquela ocasião e ele já tinha sido reconhecido. Ninguém se aproximara para o incomodar, mas chamaram-no com alguns urros típicos de adeptos de futebol e ele acenara, com um sorriso amarelo.

Estaria em casa antes das cinco da tarde, antes de o Sol se pôr naquele domingo. Era um horário razoável que não suscitaria dúvidas a ninguém. Assim que chegasse a casa iria telefonar à Monique e contar-lhe que tinha corrido tudo bem, agradecer-lhe a colaboração e ela haveria de me lembrar do preço daqueles dias de liberdade. Naquele momento, achava os mil escudos uma pechincha por tudo aquilo que experimentara.

Jean-Marie esfregou-me as costas.

– Então, ma petite... não faças este drama todo. Haveremos de nos encontrar em breve. E, dessa próxima vez, já vai ser com jogos de futebol, vitórias e taças.

Encarámo-nos. Os meus olhos cintilaram, cheios de lágrimas.

– Oh, o que é isso? Não vais chorar, Tina. Será completamente inútil e deixavas-me muito atrapalhado. Ainda sou intercetado pela polícia do aeroporto, sou interrogado e preso porque andei a importunar uma rapariga tão bonita e especial como tu.

– Continuas a ser um idiota.

Beijou-me a testa.

– Tens de apanhar o teu avião e eu tenho de voltar para casa. Vamos ver-nos outra vez. Prometo-te!

– Eu sei, Jean-Marie.

Não lhe podia explicar a razão da minha tristeza. Punha-se com um sermão de que o meu lugar era, antes de mais, com a minha família, mesmo que agora, deslumbrada com as novidades, me parecesse desajustada às minhas mudanças. Sabia que ele tinha razão. Cabia-me a mim travar essa luta, mostrar a nova Cristina Velez, conquistar o meu espaço e, se chegasse à conclusão de que a nova Cristina Velez não pertencia à realidade onde me inseria desde que nascera, também me cabia a mim procurar e escolher outro lugar.

– E... e da próxima vez que estivermos juntos talvez consigas contactar com o argentino – resmungou.

Rasguei um sorriso. Ele acrescentou de mau humor:

Aqueles Dias de MaravilhaOnde histórias criam vida. Descubra agora