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Em maio de 1988, o melhor jogador francês de sempre, Michel Platini, iria despedir-se dos relvados e dos estádios, da bola e do jogo numa reunião de amigos que seria concluído com o inevitável encontro de futebol. A França estava a acompanhar o evento que tinha boletins informativos periódicos nas maiores cadeias de televisão do país, com notícias em contínuo também nas estações de rádio. Esperavam-se reportagens especiais e completas nos jornais de maior tiragem e nas revistas da especialidade, recheadas de fotografias e de elogios rasgados ao homem, ao atleta, ao símbolo.

A despedida tinha de ter contornos de espetáculo, estrondoso e feérico, para que não se sentisse tanto o adeus definitivo e se resvalasse para uma nostalgia agridoce, um pouco embaraçosa no presente caso, pois o futuro de Platini continuava a ser risonho, tendo o futebol como principal atividade. Se deixava de ser futebolista, passava a ser dirigente desportivo. Dos balneários escuros e esquálidos, ele ascenderia aos corredores impecáveis e cintilantes dos chefes – as tais galerias perfeitas que eu conhecera no Bernabéu, em março, que me pareceram demasiado assépticas e longe das falhas que eu tanto amava naquele desporto. Então, estabeleceu-se um programa de festas que incluíam o tal jogo de futebol, mas também uma série de eventos, receções, celebrações, amigos que Platini chamara pessoalmente, endereçando-lhes convites formais ao estilo de um casamento. Espalhara-os e às suas respetivas famílias por vários hotéis de Paris, fizera questão que fossem todos muito bem acolhidos e certificara-se de que assim era com generosas gorjetas e outros benefícios aos gerentes desses hotéis, como bilhetes para jogos de futebol, incluindo aqueles do europeu que se iria disputar na Alemanha. No dia seguinte só os jogadores e equipa técnica tinham autorização para viajar para Nancy num avião fretado, onde iria acontecer a partida que encerraria as celebrações. Seria um França, resto do mundo, duas seleções que se enfrentariam no relvado num jogo a brincar, equipas compostas pelos futebolistas franceses que foram campeões da Europa em 1984 e pelos melhores do planeta. Jean-Marie, obviamente, seria um dos guarda-redes da seleção convidada. E eu teria um passe especial para ter acesso ao avião e ir para Nancy com eles, com os jogadores. A Carmen e as meninas ficariam em Paris.

O belga tentou entusiasmar-me, fazendo notar a sorte que tinha.

No entanto, a minha primeira reação àquele anúncio pomposo foi de torcer o nariz e afirmar:

– Detesto-o! – Referia-me a Platini.

Jean-Marie endireitou-se, chocado, afivelando uma expressão contraída. Foi como se eu o tivesse injetado com veneno numa picada súbita e tentasse disfarçar a dor.

– Não podes dizer uma coisa dessas, Tina... – censurou-me de maneira vaga. – É ele que nos está a pagar o hotel, que me vai pagar a entrada no Lido. Sabes quanto custa ir ver um espetáculo no Lido? Um salário mensal no Bayern! Talvez menos... mas nunca pagaria isso do meu bolso voluntariamente. Sou um homem de família, tenho despesas grandes em casa.

– Sim, está bem... devo mostrar-me agradecida. É isso? Se é o Platini que me está a pagar a estadia em Paris...

– Afirmativo. É o Platini que te está a pagar a estadia em Paris! – repetiu.

– Isso não me impede de continuar a detestá-lo.

– Cristina...

– Foi ele que eliminou o Brasil do mundial, Jean-Marie! – exaltei-me. – Ou já te esqueceste? Eu não me esqueci. Ele falhou um penálti naquela lotaria traiçoeira no fim, depois de se manter o empate, é verdade, ele até que ajudou, mais ou menos, o Brasil é que não soube aproveitar... mas foi a seleção que o Platini comandava que varreu os brasileiros da copa e que me fez chorar daquela maneira! Lembras-te? Lembras-te de como eu chorei? Ah, ainda me magoa pensar nessas minhas lágrimas.

Aqueles Dias de MaravilhaOnde histórias criam vida. Descubra agora