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O ambiente que rodeava um jogo das competições europeias, ainda para mais tratando-se da competição rainha da taça dos clubes campeões europeus, era muito semelhante àquele que se vivia num mundial entre seleções de países. Fiquei encantada com a azáfama, a euforia e a festa que permeava o Estádio Olímpico de Munique naquele fim de tarde, com a iluminação da rua toda acesa a dar mais brilho ao que já se mostrava brilhante a meus olhos.

Mais uma vez ia sozinha ao jogo. A Carmen ficara em casa com as filhas, era dia de semana, no dia seguinte havia escola que começava muito cedo, às oito da manhã. Tratava-se de um jogo dos quartos-de-final disputado em duas mãos. Naquele dia, 4 de março de 1987, o Bayern de Munique recebia em casa o Anderlecht, um clube belga onde jogavam Enzo Scifo e Georges Grün e eu estava excitada por voltar a vê-los. Jean-Marie acalmou-me, só Grün jogava e o guarda-redes Munaron, Scifo estava lesionado, assim como Lothar Matthaeus, não iriam alinhar nas respetivas equipas. Murchei como um girassol à noite. Ele animou-me a seguir, agarrando-me nos ombros e sacudindo-me. Ia ver um jogo das competições europeias, tinha de me mostrar feliz. Esbocei um sorriso forçado, ele riu-se à gargalhada.

Levou-me consigo no carrão BMW, deu-me as instruções do que podia ou não podia fazer. Iria ver o jogo como um adepto normal, nas bancadas, mas havia uma zona mista, onde os jornalistas faziam entrevistas rápidas aos jogadores e onde me iria deixar para poder dar uma palavrinha ao Grün ou ao Munaron. Bati palmas, entusiasmada com esse encontro e quando se aproximou a hora fiquei nervosa. Era ridículo, mas adorei o nervosismo que me empurrava o estômago contra as costas, que me deixava as mãos com formigueiro, que me fazia latejar o corte no dedo que estava quase a sarar. Jean-Marie procurou acalmar-me, só que depois de me ter contado aquilo foi impossível. Estava ansiosa e elétrica. Prometeu-me outra surpresa e a minha agitação atingiu um nível absurdo. Impacientou-se. Mandou-me acalmar ou não me levava até à zona mista, não me mostrava a surpresa. Fechei a boca, cerrei os punhos. Prometi portar-me bem.

O estádio Olímpico estava muito bonito ou fui eu que o achei espantoso sob aquela aura de jogo especial para a taça dos campeões. O vermelho, a cor do clube imperava, havia bandeiras e faixas oficiais mandadas confecionar pelos dirigentes alemães com o emblema em destaque, altifalantes voltavam-se para o exterior com música alta, vendedores ambulantes em rulotes dispensavam bebidas quentes e salsichas fragrantes entaladas em pães fofos, outros vendiam cachecóis, bandeiras, crachás redondos que se prendiam nas blusas.

Esperei no local que Jean-Marie me indicou, distraí-me a ver as pessoas que passavam em grandes grupos. Havia, de um lado e em maior número, os adeptos do Bayern que cantavam enquanto andavam. Do outro lado, mais ao fundo e mais discretos, os adeptos do Anderlecht. Passado um pouco, apareceu um homem vestido de fato e gravata, com um cartão que o identificava como "steward", que me veio buscar e levou-me para a tal zona mista. Sabia inglês e falou brevemente comigo. Pediu-me para aguardar. Escolhi um local afastado do magote de jornalistas e de repórteres que tiravam apontamentos e fotografias, respetivamente.

Os primeiros jogadores começaram a chegar, misturavam-se com treinadores e outros técnicos. Os mais conhecidos eram chamados pelos homens da imprensa com berros e acenos, paravam, concediam a pequena entrevista, deixavam-se filmar e fotografar. Outros passavam relativamente desconhecidos não tinham tanto interesse jornalístico.

Senti-me novamente dentro do bulício do mundial, leve, feliz, crescida. Dona da minha vida, independente, forte, nada me podia atingir, nada me podia magoar. Apoiava-me na barreira metálica que separava os dois espaços, o recinto onde estava com a imprensa e o corredor onde passavam os jogadores, uns mais tensos do que outros. A equipa do Anderlecht era a primeira a aparecer, como visitante. Seguir-se-ia o Bayern de Munique.

Aqueles Dias de MaravilhaOnde histórias criam vida. Descubra agora