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Abracei Jean-Marie no aeroporto de Munique. Vestia-se normalmente, nada de disfarces de motorista ou outra máscara qualquer. Censurei-o. Estávamos no Carnaval, agora era muito mais adequado estar disfarçado. Fez um gesto de enfado, abanou a cabeça, estava com pressa e disse-me que noutra ocasião logo voltaria a ser o meu motorista. Agora era o meu amigo guarda-redes. Acrescentou que não devia estar ali e àquela hora, se fosse apanhado seria multado pelo clube. Tínhamos que nos despachar. Não contestei nada e a minha alegria por revê-lo esvaziou-se. Preocupei-me. Temi que ele recuperasse o assunto de eu o ter ignorado depois de regressar a casa em janeiro, arremessando-me com novos tipos de reprimenda que não pudera lançar-me ao telefone, porque as chamadas internacionais eram caras e devíamos limitar-nos ao essencial sempre que entabulávamos conversa com alguém por esse meio. Jean-Marie, contudo, não me disse nada relacionado com a minha falha que, agora que o revia, alfinetava-me com um remorso esquisito, que misturava receio e vergonha.

A sua atitude era mais contida, seca, fora pouco expansivo e ao entrar no seu automóvel, o carrão marca BMW, retraí-me e não disse nada. Ele assumiu que eu estava cansada da viagem e não me importunou com perguntas ou com as suas habituais piadas. Também se calou e foi calados que chegámos à sua casa. Carmen mostrou-se jovial como sempre e abracei-a, aliviada por verificar que as reservas pertenciam apenas a Jean-Marie.

Ocupei novamente o quarto de hóspedes. Enfiei-me na cama quentinha e podia estar totalmente satisfeita se a atitude de Jean-Marie não me tivesse incomodado. Repassava todos os momentos desde que o tinha abraçado no aeroporto ate nos termos separado já em casa e não compreendia que bicho o mordera para o deixar zangado comigo. Dei várias voltas na cama fofa e perfumada sem conseguir dormir. Pensava que era por ter sido estúpida com ele em janeiro, chorei arrependida, mas se ele queria dizer-me mais alguma coisa, que me dissesse de uma vez. Escusava de fazer aquele teatro, de me magoar com a sua indiferença.

Fui à minha mochila e retirei de um dos seus bolsos laterais a pequena boneca mexicana de trapos que Diego me tinha oferecido no verão. Resolvi levá-la comigo, para ser a minha mascote, a minha protetora, a minha confidente depois do caderno onde escrevia. Apertei-a entre as mãos, falei-lhe, o que foi que eu fiz? Jean-Marie já não gosta de mim. Sou uma parva, claro que gosta! Tu sabes que ele gosta, não sabes? Se não gostasse não me tinha comprado a viagem, não me acolhia na sua casa, ele é muito cuidadoso com a sua família, com as filhas, nunca permitiria que alguém que detestasse convivesse com elas. Adormeci.

Na manhã seguinte saí do quarto com passos cautelosos. Estava comprometida, sentia-me uma intrusa. Acordei muito cedo, eram cerca das sete horas, vi no relógio de parede. Ouvi rumores num dos quartos. Reparando melhor, notei que era o quarto do casal. Corei, temendo estar a ser indiscreta e a ouvir o que não devia. Nisto, a porta abriu-se e apareceu Carmen que se assustou e soltou um guincho ao topar-me vestida de pijama, especada como uma alma penada no meio do corredor. Cobri a boca com as mãos para impedir-me de responder ao seu grito com outro grito. Ela fechou a porta do quarto devagar, quase nem se ouviu o trinco. Entrevi Jean-Marie deitado, a mudar de posição e o meu rubor acentuou-se. Doíam-me as bochechas de tão vermelhas.

– Bom dia, Tina. O que fazes aqui? – sussurrou-me. – É muito cedo. As meninas só vão despertar daqui a uma hora e o Jean-Marie hoje dorme até mais tarde por causa do jogo.

Gaguejei, atrapalhada:

– Ah... eu... eu não tinha sono. Dormi mal.

– Oh... Porquê? Estranhaste a cama, foi? Da outra vez que cá estiveste correu tão bem. Achaste alguma coisa de diferente?

Sim, Jean-Marie não está igual e não sei o que é. Não lhe disse isto, claro. Mordi os lábios, baixei a cabeça. Murmurei que se calhar ia tentar dormir mais um pouco. Ela disse-me que fizesse o que achasse melhor, que me pusesse à vontade. Dei meia volta, reentrei no quarto, enfiei-me na cama. Tentei muito adormecer, mas foi impossível. Usei a casa-de-banho, tomei um duche, vesti-me, penteei-me, fiz tudo lentamente e com um cuidado redobrado para não fazer barulho.

Aqueles Dias de MaravilhaOnde histórias criam vida. Descubra agora