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Valdano encontrou-me na bancada e sentou-se ao meu lado. Censurou-me por não ter esperado por ele e perguntou-me como conseguira chegar até ali, se não me tinha entregado o bilhete que me daria acesso àquela zona do estádio.

– Falei em ti e fui bastante irritante. O homem que encontrei não precisou de muitas explicações, ou de qualquer bilhete, para acreditar que estava contigo e que era uma convidada especial da federação argentina de futebol.

– Uma falha imperdoável na segurança.

– Acho que sim.

– Vou falar com alguém sobre isso...

Toquei-lhe no braço.

– Deixa estar, Jorge. Está tudo bem. Eu não sou nenhum perigo quer para argentinos, quer para espanhóis e o jogo está prestes a começar. Vais-te incomodar e aborrecer para nada e eu não te quero zangado por causa de mim. Já fazes tanto!...

– Mesmo assim, irei falar com alguém – insistiu, fazendo um trejeito.

Olhou-me de soslaio e suspirou alto ao ver-me contraída e a tentar disfarçar o frio que sentia. As nuvens continuavam no céu e, à medida que a hora avançava, o vento tornava-se mais fresco. Despiu o seu casaco, ficou em mangas de camisa, colocou-o sobre os meus ombros. Espetou um dedo, mandando-me calar, antes mesmo que eu tivesse aberto a boca. O casaco ficava comigo até que me fosse embora. Não discuti. Senti-me imediatamente mais confortável com as costas aconchegadas. Ele não me perguntou pelo agasalho que eu inventara ter na mochila. Pelos vistos, sabia que era mentira.

Desculpou-se passados uns minutos e foi para um lugar mais cimeiro da bancada. Cumprimentou umas pessoas que acabavam de chegar e ficou na conversa. No relvado, o aquecimento terminava e os jogadores recolhiam aos balneários em grupos de três ou quatro. Os argentinos eram os mais faladores, os espanhóis faziam pose para o seu público.

Mais adiante reconheci o pai e os irmãos de Diego que acabavam de chegar. Hugo acenou-me, Raúl fingiu que não me conhecia. Estavam os dois acompanhados por mulheres, que depreendi serem as respetivas namoradas, e por amigos espalhafatosos que falavam alto. De vez em quando, Hugo sorria-me e mostrava-me o polegar a apontar para cima, numa referência à camisola da Argentina que eu usava. Eu sorria-lhe de volta e elogiava-lhe o cachecol alviceleste, com outro polegar a apontar para cima. Raúl continuava a ignorar-me. Tinha um braço por cima dos ombros da mulher ao seu lado, a quem cheirava o pescoço e beijava. Deixei-os na sua festa privada, eu estava bem sozinha, já que Jorge Valdano também me tinha abandonado em detrimento de pessoas certamente mais interessantes do que eu. Viera a Sevilha para ver Diego jogar e era o que pretendia fazer, sem interferências ou suscetibilidades.

As equipas retornaram ao relvado debaixo de uma chuva de aplausos. O sistema de som do estádio anunciava, num tom francamente exagerado para um jogo particular, a Espanha como a seleção da casa, acrescentando elogios e incentivos para motivar os jogadores e o público. Eram os anfitriões e enfrentavam os campeões do mundo do grande Maradona, tinham de dar tudo de si, mesmo tratando-se de um encontro amistoso.

Quando os altifalantes anunciaram o alinhamento da Espanha, a começar por Zubizarreta, reconheci alguns nomes que estiveram no mundial do México. Para além do guarda-redes basco, estavam também em campo Julio Salinas, Michel e Emilio Butragueño. Reparei que Valdano se empertigou quando anunciaram o nome do avançado que jogava no seu Real Madrid. Semicerrei os olhos. Valdano tornava-se cada vez mais espanhol e foi outro aspeto que me incomodou. Ele como que se metamorfoseava desde aquele último dia de junho, há dois anos, quando nos despedimos no aeroporto da capital mexicana. Aos poucos, subtilmente para que ninguém se apercebesse de repente da sua mudança, mas esta existia, sob a pele. Em breve mostraria a sua nova face, o seu novo corpo, a sua nova postura. Estremeci e puxei o seu casaco para a frente, para me tapar melhor os ombros.

Aqueles Dias de MaravilhaOnde histórias criam vida. Descubra agora