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No dia seguinte a ter falado com o Paulo sobre a caderneta do mundial intercetei-o na escadaria larga que conduzia ao edifício principal do liceu. Corri para o alcançar, ele era magro e pequeno e, por isso, bastante ligeiro a vencer os degraus que galgava de dois em dois.

– Paulo! – chamei sem conseguir disfarçar a minha excitação. – Trouxeste?

Ele parou a sua escalada atlética e olhou para mim.

– Trouxe o quê?

– A caderneta! A caderneta do México.

– Ah... não, não trouxe. Esqueci-me.

Senti-me atraiçoada. Ocultei a minha deceção e sorri-lhe. Era um sorriso amarelo, sabia-o, mas não o pude evitar. Abanei a mão.

– Está bem. Deixa estar...

O que mais me doía é que julguei que ele tinha percebido que a caderneta era importante para mim, revestia-se de uma importância vital, como se deixasse de respirar se ele não me trouxesse aquele balão de oxigénio, absolutamente fundamental para eu continuar a viver. Julguei também que ele tinha pensado em mim e que se lembrara de mim, tal como eu tinha pensado nele e lembrado dele, porque ele tinha a caderneta que eu queria tanto ver.

Na primeira hora não consegui concentrar-me nas aulas. A Monique percebeu e deu-me uma cotovelada nada discreta, perguntou-me o que tanto me ocupava o pensamento, se era alguma paixão, algum rapazinho por quem eu tinha caído de amores, quem era ele. Respondi que não, claro que não. Ela não acreditou.

Nas horas seguintes prestei mais atenção ao que os professores diziam e a Monique não me voltou a importunar, apesar de eu saber que ela não tinha ficado convencida.

No último intervalo a Ana Luísa apareceu aos gritinhos a agitar uma revista "Bravo" na mão. A Sandra, a Monique e a Elizabeth rodearam-na entusiasmadas, porque não era todos os dias que se conseguia pôr a vista em cima da revista alemã. Eram muito caras e raras, os números não chegavam todos ao quiosque, não se percebia muito bem qual era o critério de revenda e, quando havia um exemplar, era comprado por alguém que fazia uma coleta, para depois partilhá-la com quem havia contribuído e com quem quisesses espreitar a revista. Os que não tinham dado dinheiro para a aquisição não podiam disputar os posters centrais ou fazer recortes. Só podiam ver. Era o caso das minhas amigas.

Elas passavam as páginas aos guinchos e aos risinhos, a apontar os ídolos com o dedo esticado, tendo cuidado para não tocar no papel e amachucá-lo. Só dava para ver as imagens porque ninguém sabia falar alemão e as pequenas caixas de texto que acompanhavam as fotografias permaneciam indecifráveis. Ninguém se importava, claro. Só interessava os cantores e os atores retratados, as posições ousadas e sensuais, os olhares de matador, intensos, as cores das íris realçadas. Azuis como safiras, verdes como esmeraldas, castanhos como mel.

Nunca me interessara muito pela revista e continuava imune ao seu fascínio, pois os meus ídolos eram outros. Quando as raparigas da minha idade se derretiam pelos Wham!, pelos Duran Duran ou pelos A-ha, quando suspiravam diante do Tom Cruise, do Ralph di Machio ou do Michael J. Fox, eu estava empenhada em estudar História, saber tudo sobre povos antigos, a antiguidade clássica, a destruição das cidades romanas pela erupção do Vesúvio. Mesmo agora os meus gostos viravam-se para futebolistas. Pestanejei com esse pensamento. Seriam os jogadores de futebol que conhecera pessoalmente no México os meus ídolos? Podia defini-los dessa maneira? Eram meus amigos, mas também os admirava e podiam perfeitamente encaixar-se na categoria de ídolos. Voltei a pestanejar, atrapalhada. Não queria idolatrá-los, queria simplesmente manter a nossa amizade. E quando me via tão afastada da sua realidade, metida nos meus assuntos, a assistir a aulas, a fazer fichas de avaliação e a cumprir escrupulosamente o que os professores pediam nos trabalhos de casa, começava, sinceramente, a considerar que não havia qualquer amizade e tinha de me contentar em venerá-los, como toda a gente fazia.

Aqueles Dias de MaravilhaOnde histórias criam vida. Descubra agora