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Diego não me voltou a tocar, nem no dia seguinte, nem nos meses seguintes. Na realidade passou-se mais de um ano até nos encontrarmos outra vez daquela maneira, íntima e clandestina. Foi melhor assim, compreendi, passada a raiva de ter sido ignorada, afastado o fantasma de ter sido rejeitada, secadas todas as lágrimas que chorei na viagem de volta a Portugal no jato particular que pertencia sabia lá a quem. Achava que era um avião diferente de todas as vezes que o usava...

O que tinha acontecido no Ferrari era para esquecer e a culpa era toda minha por tê-lo permitido. Agira como uma prostituta, uma mulher fácil, empurrada pelas exigências do meu corpo faminto e curioso. Entregara-me indecentemente, num local sem qualquer romantismo, desconfortável, improvisado, apressado e fora o que tivera. Sexo tão cru e despojado como o assento de couro do carro. A minha primeira vez fora um autêntico desastre. Não podia dizer, arrependida e contrita, que tivesse sido diferente do que tinha sonhado, porque, em abono da verdade, com a minha idade, quinze anos, nunca tinha sonhado com isso.

A minha veia otimista apareceu, contudo, e com a devida distância do acontecimento passei a orgulhar-me do que aconteceu. Mentalmente, só de mim para mim, afirmava satisfeita que tinha perdido a virgindade num magnífico e exclusivo Ferrari testarossa preto com a matrícula NA N93951. Quem conhecesse a sequência de números, se porventura eu considerasse verbalizar este pensamento de vaidade discutível, saberia com quem tinha acontecido; e ou escandalizavam-se ou veneravam-me.

Mas antes de voltar a Portugal aconteceram muitas coisas, coisas importantes, coisas que valiam mais a pena recordar que uma união carnal atrapalhada dentro de um automóvel.

Diego saiu no sábado à noite. Não sei onde foi, nem lhe perguntei, obviamente. Não era assunto meu verificar as suas saídas. Ele gostava de descontrair nos sábados à noite. Acordei ao ouvir portas a se fecharem e a casa a silenciar-se, voltei a adormecer embalada nas memórias que tinha com ele de outros sábados à noite. No México dançámos e aconteceu o meu primeiro beijo. Agora em Itália entregara-me a ele sem pudor. Sorri e senti-me um pouco menos culpada.

Acordei tarde no domingo. Na cozinha encontrei a senhora Rispoli que me preparava o pequeno-almoço. Perguntou-me se estava tudo bem comigo, se Diego tinha cuidado de mim e se me tinha tratado com respeito. Corei tanto que o calor da minha cara fez-me transpirar em abundância. Gaguejei que sim, que estava tudo bem. Fi-lo com um tom tão esganiçado, falso e forçado que, quem me conhecia, sabia que estava a mentir, ou melhor, que tinha coisas a esconder. A senhora Rispoli desconfiou, mas não quis avançar com o questionário, temendo encontrar a certeza para a suspeita que brevemente lhe cruzou a mente. Não tinha qualquer dúvida que ela, como mulher experimentada, sabia exatamente o que tinha acontecido e que evitava pensar nisso, escandalizada com a ousadia de Maradona e com a minha ingenuidade.

Comi muito, estava esfomeada pela falta do jantar. A senhora Rispoli elogiou o meu apetite. Fê-lo, notei, com uma certa tensão, hesitante e desconfiada. Ligava os pontos, para depois desmanchar as conjeturas com receio de descobrir o que não queria descobrir.

Diego entrou na cozinha e engasguei-me com a água gaseificada que bebia num enorme copo de vidro verde. Beijou a senhora Rispoli na face, deu-lhe os bons-dias.

– Olá Tina.

– Olá Diego – respondi-lhe, a limpar o queixo molhado com os dedos, de olhos baixos.

Pôs-se a falar com a senhora Rispoli sobre o jogo da tarde, sobre os bilhetes que Massimo tinha pedido e que não conseguira arranjar, o estádio estava lotado, a loucura tinha-se instalado na cidade, toda a gente queria ir ver o jogo contra o Milan. A senhora Rispoli dizia-lhe que não se preocupasse, o Massimo haveria de achar outra maneira de entrar no estádio, ele e os seus amigos conseguiam sempre assistir aos jogos, ela nem sabia como o faziam. Falaram brevemente sobre as preocupações dela em relação ao filho. Diego escutava-a e também se dizia preocupado, que iria falar com o rapaz. Deixa estar, deixa estar, pedia a senhora Rispoli, não, eu falo com ele, as más companhias não fazem bons amigos. O Massimo escuta-me, mamma. O Massimo vai fazer aquilo que lhe digo, mamma.

Aqueles Dias de MaravilhaOnde histórias criam vida. Descubra agora