Capítulo II

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Seus olhos analisaram descaradamente meu corpo coberto apenas por uma camisa surrada que João me deu para que eu não ficasse nua. Seus dedos encostaram em minha bochecha, mas desviei do toque rapidamente.

  — Você é tão linda e tem um corpo que faz qualquer homem cair de desejo aos seus pés. - sorriu - Eu te dei tantas oportunidades de ser uma escrava leal e se você fosse um pouquinho mais inteligente, teria aproveitado porque eu deixaria você trabalhar na casa grande mesmo com essa marca de fugitiva que seu antigo dono marcou em seu belo rosto. E sejamos sinceros, nós dois sabemos que eu me livraria até da minha esposa para continuar sendo seu dono! - mesmo não tendo permissão, continuei encarando seus olhos - Mas, infelizmente, você começou a me dar prejuízos de um tempo pra cá, então vou ter que te levar ao mercado de escravos hoje. - se levantou.

  — Ela não parece estar triste com a notícia, patrão. - um de seus cães, vulgo capangas, disse.

  — Mas, é bom ela ficar porque se eu não conseguir vendê-la hoje, garanto que ela não vai ver o sol nascer amanhã. Não vou perder dinheiro e espaço da minha fazenda com uma negrinha fujona! - eles riram - Então trate de causar uma boa impressão porque se ninguém te quiser, eu dou um fim em você lá mesmo. Inclusive, se despeça dos seus companheiros de senzala, já que em todas as hipóteses, você não vai voltar para cá! Mas ... - percebi ele abrindo o cinto da calça e fiquei inquieta - Você vai me ser útil pela última vez antes de sair das minhas terras. Sabe-se lá quando vou conseguir outra como você!

Não, de novo não. Por favor! - implorei internamente.

Seus capangas se encarregaram de segurar meus braços e minhas pernas para evitar que eu me debatesse enquanto meus gritos eram abafados pela máscara.

Mesmo aquilo já tendo acontecido várias vezes, sempre me machucava como se fosse a primeira.

Depois de me deixarem sangrando naquele chão imundo, só se passava uma coisa pela minha cabeça:

Rogo aos que me guiam para que não deixem ninguém me comprar. Eu não aguento mais. Deixem que ele entregue meu corpo ao mar, por favor.

Algum tempo depois, João entrou na senzala com pressa. Meu corpo estava tão dolorido que mal consegui me virar para encarar seu rosto.

  — Óh céus, o que fizeram com você, Ayla? - disse desesperadamente ao me segurar em seus braços - Aquele desgraçado, filho da puta!

João destrancou os cadeados das correntes em meus braços e pude sentir a ardência dos cortes em meus pulsos.

  — Você precisa trocar de roupa, nem quero imaginar o que ainda podem fazer contigo se te verem só com esses trapos. - pegou outra de suas camisas - Vem, eu te ajudo.

  João era o único escravo que tinha permissão para me tocar porque o senhor Matias sabia que ele jamais tentaria algo contra mim, já que ele me vê como uma irmã.

Depois de trocar minhas vestes, e de me explicar que o senhor Matias que havia pedido para ele cuidar de mim, sentamos no chão e eu escorei minha cabeça no peito de João como uma menina que procurava segurança no colo do pai. Ele acariciou meus cabelos e como a máscara ainda me impedia de falar, me encolhi em seus braços sentindo a dor de deixá-lo ali.

— Vou sentir sua falta!

Respirei fundo como forma de concordar com sua fala.

  Minutos depois eu já estava andando atrás do cavalo do senhor Matias, junto com mais dois escravos. O sol estava muito forte, não me alimentava direito à 3 dias por causa da máscara, os cortes em minhas costas ainda não haviam se fechado totalmente. Minha cabeça girou incontáveis vezes e minha visão ficou embaçada, mas me mantive firme até chegarmos na feira de escravos. 

A praça estava lotada de negros acorrentados, alguns alinhados de frente, outros de lado, mas todos sendo tratados como bichos. Enquanto caminhava, vi uma mãe desesperada ao ser separada de sua filha, até ficaria comovida com a cena se já não a tivesse visto dezenas de vezes.

O senhor Matias desceu do cavalo e puxou com força a corrente que prendia minhas mãos. Meu corpo estava ligado aos dos outros escravos pelas correntes em meus pés, então quando comecei a caminhar, os outros me seguiram.

Entre um leilão e outro, uma escrava já de idade avançada, parada à minha frente, me olhou com tristeza.

  — Deus tenha misericórdia d'ocê, mizin fia. - como não conseguia falar, apenas franzi o cenho e ela pareceu entender minha dúvida - Porque cê é bonita. Muito bonita!

  — Sua vez. - um homem disse ao puxar a corrente dos meus pulsos e eu saí andando, ainda encarando os olhos da senhora.

  Subi em uma espécie de "palco" e meu estômago revirou ao perceber o desejo explícito nos olhos dos brancos.

  — Temos aqui uma peça valiosa. Essa é Ana, tem 22 anos e veio diretamente da África, senhores! - o homem disse - Seu antigo dono me confessou que ela é resistente, podem notar isso pela marca de fugitiva e a Máscara de Flandres, por isso seu preço é de 50$000 ( 50 mil réis).

  — 50$000 por uma negra que não pode nem trabalhar dentro da casa grande? - um dos brancos perguntou.

  — Ela é jovem, saudável e muito bonita. - o homem ao meu lado respondeu - Será um dinheiro bem gasto, garanto aos senhores. - fez uma pausa - Quem vai abrir os lances?


*Relevem os erros, por favor.* 🥺

Prontos para conhecer o segundo protagonista da história?😁❤️

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