Capítulo VIII

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Pisquei os olhos algumas vezes ao perceber meus batimentos acelerados e meu ato involuntário de engolir seco.

— E-eu preciso lavar de novo! - falei um pouco receoso e ela se endireitou, dando a entender que havia concordado.

Peguei a mesma vasilha com água de ontem e despejei o líquido em suas costas, mesmo com seus leves espasmos causados pela dor.

— Licença. - falei quando precisei afastar o tecido na lateral de suas costas.

Usei minha faca novamente para tirar a coisa nojenta e transparente da planta, depois joguei o líquido viscoso sobre os cortes. Demorou um pouco, mas consegui cobrir todos os ferimentos.

Assim que terminei, me apressei em me afastar dela. Não quero correr o risco de aumentar ainda mais sua desconfiança!

Quando me levantei, meus olhos se permitiram vagar pelas costas de Ana.

Enquanto guardava minha faca, outra vez me atentei à sua cor intensificada pelas pequenas gotículas de suor. Sua pele realmente parecia reluzir, deixando seus ombros descobertos, não muito largos, ainda mais atraentes.

Suspirei ao perceber que meus pensamentos estavam se inclinando para o lado perverso da minha mente. Fechei os olhos e sacudi a cabeça na intenção de evitar que aquilo se tornasse um problema ainda maior.

Dei alguns passos na intenção de sair da baia, até que me lembrei de mais uma coisa.

— O senhor que vimos ontem à noite, dono deste celeiro, esteve aqui durante a minha ausência. - afirmei enquanto ela se virava para me encarar - Ele tocou ou se aproveitou de você?

A forma como a dúvida se instalou em seus olhos outra vez demonstrou que havia muito tempo que Ana não recebia tanta preocupação vinda de outra pessoa.

Mais uma vez ela preferiu negar com a cabeça ao me deixar ouvir sua voz. 

— Ótimo! - saí do local.

Fiquei pouco mais de duas horas sentado perto das portas de entrada do celeiro. Em alguns momentos, me levantei para analisar os cavalos e fazer carinho, também andei de um lado para o outro na intenção de aliviar minha mente da indecisão.

Novamente caminhei até a baia de Ana. Quando cheguei, ela estava com as bochechas cheias devido ao grande pedaço de pão que colocou na boca.

Sorri internamente por achar fofo.

— Preciso sair. - me encarou - Mas, não vou demorar!

Em um movimento rápido, ela assentiu com a cabeça  e eu me retirei depois de pegar minha bolsa.

Ao sair do celeiro, comecei a andar sem rumo pelas ruas de terra.

Depois de meses à deriva, era interessante ver pessoas caminhando, carroças sendo puxadas por cavalos e crianças brincando com espadas de madeira.

De vez em quando eu sinto falta disso, de ver tantas pessoas e comércios diferentes. O balanço do mar é, sem dúvidas, minha maior paixão, mas pisar em terra firme transmite uma sensação única de segurança.

Estava tão distraído que, quando percebi, já havia chegado em outra feira diferente da que eu estava algumas horas atrás.

Olhei as bancadas rapidamente procurando por algo que chamasse minha atenção, mas  não comprei nada além de uma maçã nos primeiros instantes.

Alguns passos à frente encontrei uma banca de roupas, mas estranhei o fato das calças serem tão pequenas.

— Estas são peças femininas, senhor! - uma moça jovem, de cabelos longos, se aproximou dizendo.

— Por isso estranhei o tamanho. - sorrimos levemente - Mas, calças para mulheres?

— Está se tornando uma tendência em alguns lugares, mas por aqui as mulheres ainda não abriram mão dos vestidos!

— Você é navegante?

— Queria ser, mas não. Minha mãe jamais deixaria! - ela falou em  um tom triste mesmo com sorriso no rosto - Meu pai e meus irmãos são. Eles trazem as peças e nós vendemos!

Passei o olho por algumas peças e me surpreendi por serem tão bem feitas.

— Você não é daqui. - levantei o olhar ao ouvir seu comentário - Ou é?

— Não, só estou de passagem.

— E de onde você é?

— Já faz muitos anos que não tenho um lugar fixo para chamar de casa.

— Você é navegante? - perguntou com os olhos brilhando.

— Sim, senhora.

— E como é ter essa vida? Viver no mar, longe de tudo? - seu apreço pelo assunto era quase palpável - Sempre em uma aventura diferente.

— É uma vida solitária em certo ponto, tive que abrir mão de muitas coisas para me entregar de corpo e alma à essa jornada, mas não me arrependo. Eu não escolhi essa vida, ela que me escolheu!

Ao encarar seus olhos outra vez, percebi um fascínio gigantesco, só não entendi se era por mim ou pelo assunto.

— E alguma vez você já pensou em levar alguém para lhe fazer companhia? - sorri de lado ao voltar a olhar as roupas - Uma mulher, talvez.

— Ainda não. - respondi gentilmente.

— Berta!  - ouvi outra voz feminina - Não está vendo os clientes esperando ali, minha filha? Vá atendê-los, rápido.

Movida pelo susto, a moça começou a caminhar.

— Até mais! - ela disse sorrindo.

— Até!

A outra mulher possuía o cabelo idêntico ao da filha, mas seus rostos eram bem diferentes.

— E você, meu jovem? Já escolheu o que vai levar?

— Já sim, quero essas.

Depois de pagar, esperei para que a mulher terminasse de embalar a compra, então  me virei para observar o ambiente e vi três meninos correndo com uma boneca na mão. Logo atrás deles, havia uma menina que aparentava ser bem mais nova.

Assim que passaram ao meu lado, tirei a boneca de suas mãos e eles pararam de correr. 

— Cavalheiros, esse não é o melhor jeito de se conseguir a atenção de uma dama!

A menina tinha cabelo loiro em um tom escuro e olhos esverdeados. Seu rosto estava vermelho, provavelmente por causa do choro.

Me agachei para entregar a boneca em suas mãos e ela começou a sorrir.

— Aqui está! - ela abraçou o objeto.

— Obrigada, senhor.

— Por nada, princesa! - sorri e observei eles saírem andando.

Um dos sonhos que precisei abandonar para virar capitão foi o de ser pai e formar uma família. Mesmo que algum dia eu achasse uma pretendente disposta a ir comigo em minhas viagens, ter filhos e criá-los dentro de um navio não é uma opção.

Mas, confesso que algumas vezes ainda me pego pensando em como seria boa a sensação de ter uma garotinha para chamar de minha filha.

Me levantei, peguei a encomenda das mãos da mulher e coloquei em minha bolsa.

— Obrigada pela compra, senhor. - sorri gentilmente. 

Quando estava me preparando para sair da banca, tive a visão que não queria.

Ao fundo, um pouco distante da feira, estava o grupo de homens que enfrentei ontem. Eles estavam em maior número e, desta vez, também estavam armados.

Sem chamar atenção, comecei a passar no meio das pessoas para tentar me camuflar. Deu certo nos primeiros 5 segundos, até ouvir:

— OLHA ELE ALI!

Maldição.

*Relevem os erros, por favor.* 🥺

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