Capítulo XXIV

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 — Não fique me encarando com esses olhos arregalados porque você já sabia disso. - sorriu.

— Se gosta de mim dessa forma, por que me trouxe até aqui? - perguntei e ele suspirou.

— Um passarinho me disse que seria melhor se você viesse comigo, e eu também pensei o que fariam contigo se te encontrassem sozinha dentro de um navio. - sua mão pousou em minha bochecha - Achei que estaria mais segura ao meu lado.

— Esse sentimento não é certo, John. - afastei sua mão tentando ser convincente - Só vai atrair coisas ruins.

— Você não está errada. - sua outra mão apertou minha cintura, juntando nossos corpos ainda mais e fazendo com que a distância entre nossos rostos se tornasse mínima - Mas, eu não ligo. - foi minha vez de sorrir cinicamente.

— Sim, você liga. Do contrário, não estaria aqui fingindo ser algo que não é apenas para causar boas impressões! - empurrei levemente seu corpo deixando um espaço considerável entre nós - Você tem muito a perder, e é isso que te obriga a se adequar a algo que repudia tanto.

 Estava tão decepcionada pelas atitudes de John que não consegui ignorar tudo que passei nas últimas horas apenas por suas mãos estarem em meu corpo, então me afastei mais ainda para catar os ramos das plantas que havia colhido.

— Mais que droga, Ayla. - disse impaciente quando virei as costas - O que preciso fazer para acreditar que estou sendo sincero?

— Não duvido dos seus sentimentos por mim, só acho que não são tão fortes quanto pensa. Se fossem, não estaríamos aqui! - suspirou derrotado - Se me dá licença, preciso voltar ao trabalho.

 Voltei a andar em direção às plantações mesmo sentindo parte de mim ficando para trás. Meu coração havia escolhido alguém que jamais seria completamente meu e isso doía de um jeito quase insuportável, por isso precisava desmanchar esse laço antes que ele se tornasse mais forte e mais doloroso.

 Quando cheguei à senzala, vi a menina de pé ao lado de um dos escravos acorrentados.

— Acho que me lembro de ter pedido para ficar quieta, Eva. - falei sorrindo.

— Ele estava com sede. - disse mostrando a folha que havia usado para pegar água.

 Ao me aproximar deles, percebi que o homem já tinha idade um pouco avançada e que, provavelmente, estava a um bom tempo naquele castigo.

— O senhor ainda tem sede? - perguntei me agachando e ele assentiu com um pouco de receio - Deixe-me cuidar dela, depois trago mais água. - o homem concordou.

 Pedi para Eva sentar no chão e, depois de colocar seu pé em meu colo, esfreguei a folha da planta em minhas mãos até que ela virasse uma pasta. Quando estava mais pastosa, aplique-a no corte da menina.

— Vai arder um pouco, mas você não pode tirar, tá bom?! - ela assentiu.

 Como não havia jarros e vasilhas dentro da senzala fora do horário de refeição, rasguei a manga de minha camisa, fui até o poço do lado de fora e encharquei o pedaço de pano, depois voltei para dentro e espremi-o na boca do senhor.

— Quer mais?

— Não quero causar problema pro'cêis. - sorri e segurei sua mão.

— Nessa vida de escravos, só temos uns aos outros. Não me importaria de morrer hoje se fosse para manter qualquer um de nós vivo por mais um dia!

— Eu sei disso, ayaba wa (nossa rainha)! - falou curvando a cabeça levemente.

 Senti cada pelo do meu corpo se eriçar ao ver aquela cena e, devido às lembranças da minha tribo, as lágrimas vieram tão rápido que não consegui controlar.

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