Lembro de ter olhado para trás uma vez antes de começar a correr incansavelmente. Os tiros que ouvi logo em seguida só serviram para me dar mais adrenalina, embora tivessem sido disparados para me machucar.
— SAIAM DA FRENTE! - ouvi repetidas vezes.
Se não estivessem armados, eu os enfrentaria da mesma forma que fiz ontem, mesmo estando em maior número hoje. São fazendeiros, não sabem lutar, apenas atirar.
E muito mal, por sinal.
Virei em uma rua qualquer, parecia ser menos movimentada, então virei em uma outra e quando percebi estava de volta à feira. Dessa vez bem menos movimentada, quase vazia para ser mais sincero.
Olhei para trás e vi que eles ainda estavam longe, então corri ainda mais rápido para chegar novamente à banca de roupas. Em um movimento rápido e ágil pulei por cima da bancada, assustando a jovem que havia me atendido.
— AHHH! - a moça gritou - O que o senhor...
Tampei sua boca com uma das mãos e puxei seu corpo para baixo, forçando-a a se agachar junto comigo. Suas costas ficaram encostadas na parte inferior da bancada, enquanto eu fiquei em sua frente.
— Shii! - sussurrei fazendo um sinal de silêncio.
Olhei para o lado e, através de uma pequena fresta, consegui vê-los se aproximando correndo. A moça acompanhou meu olhar e entendeu que eu estava sendo seguido, só então afastei minha mão de sua boca.
— Droga. Como ele conseguiu fugir?
— Desgraçado!
Ouvi tantos xingamentos que tampei os ouvidos da moça. Ela parecia bem jovem, devia estar no auge de seus 17-18 anos, aquele vocabulário não me parecia apropriado para ela.
— Ele não deve ter ido longe. - o homem que eu havia atirado falou - Vasculhem em cada maldito pedaço dessa cidade. Vão!
Não demorou muito para que aquele espaço fosse completamente tomado pelo silêncio, mas achei melhor esperar os murmúrios e cochichos das pessoas se iniciarem para me tranquilizar.
— Me perdoe pelo susto e a falta de delicadeza ao lhe puxar desse jeito, mas como a senhorita pôde perceber, era uma questão de vida ou morte! - sorri.
Me levantei e estendi minha mão para que ela usasse como apoio para se levantar também.
— Tudo bem, não foi nada.
— Berta, não é? - ela sentiu - Berta, antes de ir preciso de mais um pequeno favor.
— Pode dizer.
— Você sabe como chego à fazenda "Sete gerações"?
— Sendo sincera com o senhor, ela está um pouco longe. Mas se seguir aquela rua, depois...
Berta explicou todo o trajeto de forma detalhada para que eu não me perdesse no caminho. Fiquei um pouco apreensivo ao perceber que teria de andar tanto a pé enquanto havia um bando de fazendeiros armados querendo adiantar minha visita com Deus.
— Muito obrigada. - agradeci já me virando para sair.
— Espere! - olhei em seus olhos outra vez - Não acha que mereço ser gratificada? - sorri.
— E o que você quer?
— Um beijo!
Sua ousadia me espantou um pouco já que, até onde me lembrava, meninas de sua idade ainda não pensavam em assuntos como esse, mas não neguei.
Andei em sua direção em passos rápidos, segurei seu rosto para ter mais firmeza e, quando nossos corpos se colaram, a empurrei levemente até sentir que seu quadril havia se encostado na madeira da bancada.
Diferente do que pensei, seu beijo não era desajeitado, mostrando que aquela não era a primeira vez.
Beijei-a de um jeito calmo, mas com um pouco mais de firmeza devido à sua "experiência". Suas mãos seguravam a barra de minha camisa demonstrando desejo, o que me fez sorrir por dentro.
— BERTA! - ouvi um grito feminino e afastei nossas bocas espaço suficiente apenas para ver quem era.
— Acho que sua mãe não gostou muito. - sorri.
— Há muitas coisas que faço que minha mãe não aprovaria!
Resolvi findar o assunto por ali. Me afastei e saí de trás da bancada, voltando a caminhar.
— Qual seu nome?
— John. - respondi um pouco mais alto pela distância.
Por mais ruim que seja a fama dos navegantes, não gosto de desvirtuar moças centradas. Muitos dos meus tripulantes não hesitariam em corromper a jovem Berta, já que ela parecia disposta a tal, mas eu prefiro apenas alimentar sua imaginação.
Agora ela pode dizer que foi beijada por um navegante, cujo nome é John. De qualquer forma, eu nunca mais voltaria a vê-la, então isso seria apenas uma lembrança em sua memória.
No caminho de volta a fazenda, mais especificamente ao celeiro, pude perceber a movimentação da cidade devido a minha procura, por isso apressei os passos.
Abri as portas do celeiro e vi Ana de pé, andando pelas baias e analisando os animais. De longe seus olhos curiosos percorriam cada detalhe dos cavalos, desde a crina até as patas.
Ainda segurando o que restou de suas vestes, Ana se esforçava para não tocá-los, mas consegui perceber seu apreço quando uma das éguas se aproximou para receber carinho e ela sorriu.
Ela sorriu!
Vê-la sorrindo me surpreendeu.
Mesmo depois de tudo ela ainda consegue sorrir.
— Ela gostou de você. - falei fechando as portas.
Como já imaginava, Ana não me respondeu. Ela apenas voltou sua atenção para os cavalos e ignorou minha presença.
— Sabe que nossa convivência seria muito melhor se falasse comigo, não sabe?! - ela nem se deu o trabalho de me olhar, então sorri me virando para esvaziar minha bolsa - Além de curiosa e observadora, você é uma dama irredutível, Ana.
— Meu nome não é Ana! - seu tom forte ecoou pela minha mente.
Ainda em dúvida, me virei para encará-la e percebi que ela realmente havia falado comigo, não era alucinação.
— Então me diga qual é. - sugeri.
Mesmo com a grande distância entre nós dois, seu olhar ainda estava fixo ao meu.
—Ayla!
*Relevem os erros, por favor.*
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ALFORRIA
Romance"Sonho com uma outra vida, onde as correntes não separem nossas almas!" Na época em que pessoas eram condenadas pela cor e outras beneficiadas pela "falta" dela, um laço forte prende dois amantes da liberdade: o amor. Seria possível dentro de um...