Capítulo XI

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 — Eu sou navegante!

— E o que isso significa? - perguntou voltando a analisar as peças de roupa.

— Significa cruzar os mares na intenção de "entregar" mercadorias de qualquer parte do mundo para algum senhor com dinheiro suficiente para contratar meus serviços.

— Aos meus olhos, se assemelha com pirataria. - sorri de canto.

— Em certo ponto é pirataria, mas uma pirataria permitida pelos governos. - percebi o quanto ela estava concentrada nas roupas - Gostou?

— Vou gostar ainda mais se me disser o que tem pra dizer sem fazer tantos rodeios!

Finalmente ela deixou toda sua atenção voltada para mim.

— Esse não é o destino final dessa viagem, paramos aqui apenas para que eu resolvesse uma pendência. Seguiremos viagem amanhã, ao amanhecer. - ela não pareceu surpresa - E você irá conosco!

O rosto da mulher à minha frente mudou de expressão em uma fração de segundos, seus olhos passaram de desinteresse para aflição muito rápido.

— Não há a mínima chance disso acontecer! - falou com certeza.

— Por que não? - perguntei - Até onde sei, não há nada que te prenda à essa terra além de traumas e tristeza.

— Meu repúdio a navios é quase tão grande quanto meu repúdio aos brancos!

Me senti um pouco ofendido internamente.

— Por que?

— Tumbeiros são nojentos, sujos.

— Você não estará em um tumbeiro, estará em meu navio. São coisas completamente distintas!

— E o senhor pode me garantir que as paredes do seu navio não irão me fazer lembrar de cada maldito detalhe do tumbeiro que trouxe meu povo para morrer nessa vida infernal? - respirei fundo.

— Não.

— Então já tem sua resposta! - ela se levantou.

Decidida, Ayla saiu da baia com pressa indo em direção às portas do celeiro. Escutei as trancas serem abertas, logo em seguida o barulho da madeira sendo empurrada ecoou pelo espaço antes do silêncio voltar a reinar.

Passei a mão pelos cabelos frustrado e, por impulso, arremessei o jarro de água na parede da baia.

Mas, que diabos. Por que ela precisa ser tão difícil?

Fiquei um tempo caminhando dentro dos limites da baia para me acalmar e pensar em outro jeito de falar com ela.

É de se esperar que a Ayla esteja assustada, desconfiada e talvez até com medo, mas eu, infelizmente, não tenho tempo pra curar isso antes de partir.

Respirei fundo, fechei os olhos por alguns instantes pedindo a qualquer presença espiritual que guiasse minhas palavras para eu não dizer nada de errado. Apanhei meu casaco do chão logo depois de tirar uma das lamparinas da parede.

As portas do celeiro estavam escancaradas, então pude sentir a brisa fria da noite antes mesmo de sair.

A lua estava cheia, seu brilho provocava tanta luz que a lamparina soava inútil, tanto que precisei apenas de alguns passos na parte externa para ver a Ayla escorada na porteira. Ela estava olhando para cima, provavelmente contemplando o céu estrelado acima de nossas cabeças.

Me aproximei e a moça virou rapidamente a cabeça ao ouvir meus passos.

— Calma, sou eu. - falei e ela voltou a olhar para cima enquanto eu punha o casaco sobre seus ombros - Está frio aqui fora e sua pouca roupa não vai ajudar.

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