Capítulo XXXIV

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  Vivo como navegante há muitos anos, por isso aprendi a suportar muitas coisas, mas acho que nunca aprenderei a vê-la com medo de mim.

 A forma como a Ayla desviou do meu toque, a forma como sua voz chorosa implorou para que eu a soltasse foi algo quase impossível de suportar.

— Olha pra mim, meu amor. Sou só eu!

— Me chamou de que? - perguntou com surpresa e dúvida depois de abrir os olhos.

— De "meu amor". - sorri - Já me declarei tantas vezes, esta é só mais uma delas.

— Ainda assim é uma surpresa. - falou um pouco mais tranquila ao sorrir de canto.

 Me afastei um pouco apenas para ela ter espaço suficiente para se movimentar e então, mesmo receoso, levei meus dedos até sua bochecha.

— Seu sorriso é uma das coisas mais lindas que já tive oportunidade de apreciar. - ela sorriu de novo, mais largo dessa vez - Então deve imaginar quão mal me sinto quando fica com medo de mim, não é?!

 Depois da minha fala, sua expressão ficou triste de novo.

— Desculpa. Não faço por querer!

— Sei que não, e imagino quão aterrorizante deve ser pra você estar rodeada de homens brancos depois de tudo que aqueles filhos da puta fizeram contigo. - encarei-a - Mas, isso já passou. Está segura agora!

— Não é tão fácil assim, John. - seus olhos voltaram a ficar marejados - As lembranças me perseguem! Tenho tido sonhos tão reais que fico com medo de dormir de novo. Eles me machucaram demais...

 Sua intenção era continuar, mas ela não conseguiu, apenas abaixou a cabeça até encostá-la em meu ombro e começou a chorar com força. Não soube o que dizer de imediato, então abracei seu corpo para lhe oferecer o mínimo de segurança e conforto que aquela situação exigia.

 Me lembro de todas as vezes que vi lágrimas nos olhos dela, mas nada cortou mais meu coração do que vê-la triste daquela forma. A dor que ela carregava era muito grande, por isso demorou até que o choro diminuísse.

 Ela ainda estava soluçando quando usei minhas mãos para tentar levantar seu rosto.

— Não quero que me veja chorando! - falou tentando abaixar a cabeça.

— Você já me deixou ver sua dor, o choro é só consequência. - ela me olhou.

— Mas, é essa consequência que está me afastando de você! - segurei suas bochechas para que seu olhar não se desviasse do meu.

— Quero que saiba que, se você me pedisse, eu não relutaria em visitar cada maldita fazenda desse mundo até encontrar todos os homens responsáveis pelas suas lágrimas e jogar a cabeça deles aos seus pés. - engoliu seco - Só que, mesmo que isso fosse satisfazer meu ódio por tudo que causaram em você, seus pesadelos não iriam cessar. - suspirei - Não importa quantas vezes eu diga que está segura, se você não confiar em mim, nunca se sentirá dessa forma.

— Mas, é difícil.

— Eu sei, por isso estou disposto a ajudar você.

— E como pretende fazer isso?

— Te ofereço meu ombro para chorar sempre que se sentir triste, e meus braços para se refugiar quando estiver com medo.

— Seria muito efetivo contra a minha dor, mas a raiva também é algo que quero me livrar.

— Tudo bem, pode me xingar, gritar comigo e até me bater quando sentir vontade. - ela sorriu - Eu só quero te ver bem, minha dama.

— E pra tal feito, me deixaria até perfurar seu coração?

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